Estudos/Pesquisa

Um fungo furtivo dizimou morcegos norte-americanos, mas cientistas podem estar um passo mais perto de tratar a síndrome do nariz branco

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Um fungo invasor que coloniza a pele de morcegos hibernantes com consequências mortais é um invasor furtivo que usa várias estratégias para entrar nas células da pele de pequenos mamíferos e manipulá-las silenciosamente para ajudar sua própria sobrevivência. O fungo, que causa a doença síndrome do nariz branco, devastou várias espécies norte-americanas nos últimos 18 anos.

Os cientistas aprenderam muito sobre o fungo, Pseudogymnoascus destructansdesde que foi documentado pela primeira vez em uma caverna de Nova York em 2006, incluindo onde ele prospera, sua distribuição e características clínicas. Mas exatamente como o fungo inicia sua infecção continua sendo uma “caixa preta — um grande mistério”, diz Bruce Klein, professor de pediatria, medicina e microbiologia médica e imunologia na Universidade de Wisconsin-Madison.

Essa falta de conhecimento tornou desafiador o desenvolvimento de contramedidas para tratar ou prevenir infecções.

Agora, Klein e Marcos Isidoro-Ayza, candidato a doutorado no laboratório de Klein, puderam estudar pela primeira vez em detalhes como o fungo entra e sequestra secretamente células chamadas queratinócitos na superfície da pele dos morcegos.

O feito é detalhado na edição de 12 de julho de 2024 da Ciência.

Os pesquisadores descobriram que P. destructans usa células infectadas como refúgio e impede que elas morram, o que por sua vez frustra o sistema imunológico dos morcegos e permite que o invasor microbiano continue crescendo e se infiltre em mais células.

Para fazer isso, Klein e Isidoro-Ayza criaram a primeira linhagem de células de queratinócitos a partir da pele de um pequeno morcego marrom. Além disso, eles imitaram com sucesso as condições de hibernação, que são marcadas por grandes flutuações de temperatura corporal que acompanham períodos de torpor — quando o metabolismo dos animais desacelera e a temperatura corporal cai — e excitação.

Isto é crucial para compreender P. destructans infecções porque o fungo que gosta de frio ganha espaço durante as condições frias do torpor e consegue persistir durante a excitação, quando a temperatura corporal dos morcegos aumenta.

Klein e Isidoro-Ayza já identificaram como o fungo ganha sua entrada furtiva nas células: cooptando uma proteína em sua superfície chamada receptor do fator de crescimento epidérmico, ou EGFR. Mutações no mesmo receptor em células humanas causam certos cânceres de pulmão e esses cânceres são tratados com um medicamento existente chamado gefitinib, abrindo a possibilidade de que ele possa ser usado para tratar ou prevenir a síndrome do nariz branco.

“Notavelmente, quando inibimos o receptor com esta droga, paramos a infecção”, diz Isidoro-Ayza. “Esta é uma droga aprovada pela FDA que poderia ser usada no futuro para o tratamento de espécies de morcegos suscetíveis.”

Embora o papel preciso do EGFR na infecção ainda não esteja completamente claro, Klein e Isidoro-Ayza aprenderam muito sobre como o fungo funciona.

Sua entrada inicial ocorre durante o torpor, quando o sistema imunológico dos morcegos está dormente e sua temperatura corporal está em uma faixa ideal para P. destructans para germinar e crescer. Durante o torpor, o fungo penetra nas células da pele dos morcegos com suas hifas — filamentos finos através dos quais ele cresce e coleta nutrientes — sem romper as membranas das células. Fazer isso desencadearia a morte das células e exporia o fungo ao sistema imunológico dos morcegos.

Klein e Isidoro-Ayza também descobriram que o fungo emprega múltiplas estratégias que lhe permitem continuar sua invasão durante períodos de excitação, apesar das temperaturas corporais mais altas e do sistema imunológico reativado dos morcegos.

Primeiro, durante os períodos de excitação, o fungo manipula as células para que elas o envolvam em um processo conhecido como endocitose, em vez do fungo usar suas hifas para penetrar na célula.

Em segundo lugar, eles descobriram que os esporos do fungo — partículas microscópicas por meio das quais ele se reproduz — são revestidos por uma camada de melanina que os protege das estratégias das células para matar micróbios invasores.

“Isso permite que o esporo sobreviva ao período de excitação e, quando o morcego volta ao torpor, os esporos dentro de suas células começam a germinar novamente e continuam colonizando a pele”, explica Isidoro-Ayza, que é aluno do programa de pós-graduação em ciências biomédicas comparativas da Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Wisconsin-Madison.

P. destructans‘A estratégia final de infecção é bloquear a apoptose, também conhecida como morte celular programada, que é um mecanismo de defesa que as células usam para expor patógenos para que as células imunológicas possam eliminá-los e destruí-los.

“Ao não matar as células, o fungo pode permanecer no tecido e atingir camadas mais profundas da pele”, diz Isidoro-Ayza.

Com esse novo conhecimento em mãos, os pesquisadores estão esperançosos de que os tratamentos e uma possível vacina estejam mais próximos de se tornarem realidade.

Essas descobertas são apenas um produto de uma colaboração entre Klein e Isidoro-Ayza e cientistas do US Fish and Wildlife Service e do National Wildlife Health Center do US Geological Survey em Madison. O esforço recebeu US$ 2 milhões em financiamento da National Science Foundation e da Paul G. Allen Family Foundation em 2023 para buscar uma melhor compreensão de como P. destructans causa infecção e desenvolver estratégias de tratamento e prevenção contra a síndrome do nariz branco.

A pesquisa é valiosa não apenas para a conservação dos morcegos, que oferecem uma série de benefícios, inclusive como polinizadores e predadores de insetos, mas porque os fungos patogênicos são um problema crescente para muitas espécies.

“Existem doenças fúngicas que causam epidemias e pandemias em diferentes tipos de organismos, incluindo plantas, animais invertebrados, anfíbios, répteis e morcegos”, diz Isidoro-Ayza. Então, qualquer mecanismo que descobrirmos ou entendermos melhor nesta doença pode ter implicações para a conservação de outras espécies também.”

Esta pesquisa foi apoiada pelo financiamento do The US Geological Survey (G20AC00050), do US Fish & Wildlife Service (13190304), do Canadian Institute for Advanced Research (MSN247980), da National Science Foundation (2301729), da bolsa La Caixa Foundation (ID 100010434) sob o acordo LCF/BQ/AA17/11610020, do National Institutes of Health (T32OD010423) e da Morris Animal Foundation (D23ZO-461).

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