.

Crédito: Perspectivas em Ecologia e Conservação (2024). DOI: 10.1016/j.pecon.2024.04.002
Um grupo de pesquisadores descobriu que os principais critérios segundo os quais áreas da Mata Atlântica podem ser legalmente desmatadas por seus proprietários são definidos de maneira muito “subjetiva e imprecisa” na legislação ambiental brasileira, permitindo a destruição de florestas valiosas que fornecem importantes serviços ecossistêmicos.
O grupo propõe mudanças para simplificar o processo de licenciamento para proprietários de terras e, ao mesmo tempo, tornar a política de conservação mais eficaz. O estudo é publicado no periódico Perspectivas em Ecologia e Conservação.
“De modo geral, a legislação prevê que florestas em estágio inicial podem ser até mesmo completamente desmatadas, dependendo do caso, exceto áreas que devem ser conservadas [Legal Reserves and Permanent Protection Areas, two of the categories that regulate legal action relating to environmental protection]”, disse Angélica Resende, primeira autora do artigo.
“O estado de São Paulo tem tomado medidas para melhorar a situação, mas sem definir um método de classificação da floresta em estágios, de modo que os atributos mais importantes dessas áreas sejam realmente mensurados, e distorções acontecem facilmente como resultado.”
Este critério requer um levantamento para determinar o estágio de sucessão florestal. As permissões para desmatar áreas da Mata Atlântica também exigem um inventário das espécies de plantas que crescem na área, com identificação da diversidade de árvores e quaisquer espécies ameaçadas de extinção.
Essa tarefa exige um grau muito alto de especialização, alertam os autores, já que o bioma tem um número enorme de espécies, e os conjuntos variam consideravelmente dentro e entre as regiões. Como resultado, eles argumentam, é virtualmente impossível cumprir com o requisito a menos que especialistas bem treinados (e caros) estejam envolvidos.
Eles, portanto, propõem mover esse requisito do primeiro passo do processo de solicitação de permissão para o segundo, o que seria necessário apenas para projetos inicialmente aprovados. Os inventários poderiam então ser conduzidos por técnicos certificados ou contratados governamentais especializados.
O estudo fez parte do Projeto Temático “Compreendendo as florestas restauradas para beneficiar as pessoas e a natureza – NewFor”.
“Mais conservação e restauração são necessárias devido aos compromissos do Brasil e do estado de São Paulo com metas de emissões de gases de efeito estufa, sem mencionar a prestação de outros serviços pelas florestas, como polinização de plantações e proteção de fontes de água”, disse Brancalion.
A legislação é facilmente contornada e, como resultado, florestas em estágio avançado podem ser destruídas, ele alertou, acrescentando que a complexidade da legislação a torna difícil de entender para proprietários de terras e até mesmo para pessoal técnico.
Como funciona a lei
A regra básica que se aplica aos proprietários de terras que desejam desmatar uma área de Mata Atlântica em sua propriedade, para construir moradias ou plantar lavouras ou pastagens, é que 20% da propriedade deve conter floresta. Esta é a Reserva Legal exigida pela Lei de Proteção à Vegetação Nativa de 2012, mais conhecida como Código Florestal.
A Lei da Mata Atlântica de 2006 define os estágios de sucessão florestal e os usos aos quais as áreas do bioma podem ser destinadas. Os governos estaduais emitem autorizações de desmatamento para proprietários de terras que cumprem com essa lei federal.
No estado de São Paulo, os pedidos para essas licenças devem obedecer à Resolução 01/1994 emitida pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Esta é uma agência federal, mas as regras foram acordadas com São Paulo e foram emuladas por outros estados brasileiros.
Proprietários de terras que cumpriram a regra dos 20% referente às Reservas Legais e áreas de vegetação conservada de topo de morro, nascentes e matas ciliares como Áreas de Proteção Permanente (APPs) podem solicitar à autoridade ambiental do governo estadual uma autorização para desmatar toda ou parte da floresta “excedente”.
O requerimento deve ser acompanhado de parecer de um engenheiro que analisou o projeto e certifica que a área a ser desmatada é floresta em estágio inicial. A lei estabelece que isso significa que as árvores não têm mais de 8 m de altura com um diâmetro de no máximo 10 cm, e que os serviços ecossistêmicos que ela fornece são relativamente insignificantes em comparação com a floresta primária.
A floresta primária está em um estágio avançado de crescimento e abriga um grande número de espécies. Ela torna o clima mais temperado, produz água, armazena carbono e serve como habitat para polinizadores, entre outros serviços ecossistêmicos. Como resultado, as áreas de floresta primária são consideradas prioritárias para conservação.
Problemas
A legislação não define critérios detalhados para classificar estágios de sucessão florestal, e uma aparência de conformidade é bastante fácil de ser alcançada. Embora afirme que o diâmetro médio da árvore é um parâmetro-chave, ela não especifica o tamanho da área em questão ou o diâmetro mínimo na altura do peito (DBH), que é o critério preferido por cientistas, empresas florestais e até mesmo leis aprovadas por outros estados.
“Isso permite que o responsável pelo inventário da floresta em questão escolha a árvore com o menor diâmetro, mesmo que ela esteja cercada por árvores centenárias, baixando a média a um nível que garanta a permissão para que a área seja legalmente desmatada”, disse Resende.
Os autores do artigo citam um exemplo em que outro grupo de pesquisadores estudando remanescentes conservados e florestas secundárias tardias na Serra do Mar, uma das maiores áreas de Mata Atlântica contínua do Brasil, encontrou um DAP médio de 12,7 cm e uma altura média de 9,1 m considerando todos os indivíduos acima de 4,8 cm de diâmetro.
“Essa floresta antiga com sua biomassa abundante pode ser classificada como estágio inicial ou intermediário pelos parâmetros atuais do CONAMA”, disse Resende.
Propostas
Para remediar tais deficiências na legislação, os pesquisadores propõem emendas à resolução do CONAMA seguida no estado de São Paulo. Uma delas implicaria na distinção entre tipos de floresta (“fitofisionomias” no jargão técnico). Florestas mais úmidas tendem a ser mais altas do que florestas mais secas, mas a resolução não faz tal distinção, por exemplo, deixando de levar em conta a variação de altura e diâmetro em resposta a variáveis como solo, altitude e clima regional, argumentam os autores.
Outra proposta envolveria a definição de uma área mínima de amostragem para fins de classificação do estágio de sucessão, como todos os fragmentos florestais com menos de meio hectare (ha), ou 1% daqueles acima de 5 ha, por exemplo. Áreas desse tamanho podem atualmente ser avaliadas amostrando apenas 10 metros quadrados por hectare.
Uma estrutura revisada para classificar a sucessão poderia ser baseada no método de avaliação de dois níveis proposto na última parte do artigo. O primeiro nível consistiria na aplicação do proprietário, que não envolveria necessariamente um relatório de especialista, mas seria analisada pela autoridade ambiental do estado para verificar o histórico de uso e cobertura da terra na área nos últimos 40 anos por meio de ferramentas disponíveis gratuitamente, como MapBiomas e Google Earth, bem como fotografias fornecidas pelo requerente.
A agência ambiental então negaria uma licença imediatamente ou aprovaria o pedido em primeira instância. O segundo nível envolveria uma avaliação florística por técnicos nomeados pelo governo estadual para verificar o grau de biodiversidade e a presença de espécies ameaçadas. Os proprietários de terras não teriam que pagar por um serviço que poucas pessoas são qualificadas para executar com excelência.
Por fim, seriam avaliados os aspectos sociais e o valor da paisagem, utilizando um ou mais serviços ambientais como indicadores e focando não na sociedade em geral, mas na população local, que seria mais afetada pela destruição da floresta, com a perda de serviços ecossistêmicos como abastecimento de água, bem-estar e regulação climática.
A Lei da Mata Atlântica de 2006 foi uma grande vitória para a sociedade brasileira, mas um novo arcabouço técnico é necessário para fortalecê-la após quase duas décadas, e mais de três décadas após a resolução estadual. O conhecimento do bioma aumentou dramaticamente nos últimos anos e pode ser usado para formular regras mais eficazes baseadas na ciência, conclui o artigo.
Mais Informações:
Angélica F. Resende et al, Como aumentar a proteção da Mata Atlântica? Lidando com as deficiências da classificação dos estágios sucessionais, Perspectivas em Ecologia e Conservação (2024). DOI: 10.1016/j.pecon.2024.04.002
Citação: Estudo propõe mudanças para simplificar a legislação sobre o bioma Mata Atlântica e aumentar a conservação (23 de julho de 2024) recuperado em 23 de julho de 2024 de https://phys.org/news/2024-07-legislation-atlantic-rainforest-biome.html
Este documento está sujeito a direitos autorais. Além de qualquer uso justo para fins de estudo ou pesquisa privada, nenhuma parte pode ser reproduzida sem permissão por escrito. O conteúdo é fornecido apenas para fins informativos.
.