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Nos últimos quatro anos, o governo do presidente Jair Bolsonaro fez grandes cortes orçamentários nas universidades públicas do Brasil. No período que antecedeu o segundo e último turno das eleições presidenciais, seu governo anunciou um novo congelamento de fundos, irritando novamente os estudantes. As áreas de educação, cultura e estudos ambientais têm sido os alvos favoritos do presidente de extrema-direita, que disse que essas instituições são terrenos férteis da esquerda.
Ao cortar mais de € 450 milhões do orçamento para universidades federais em 5 de outubro – apenas três dias após o primeiro turno das eleições presidenciais – Bolsonaro provocou uma nova onda de raiva. Em 18 de outubro, manifestações contra mais um corte no orçamento ocorreram em cerca de 70 cidades do Brasil.
No Rio de Janeiro, estudantes, professores e outros membros de sindicatos de educação marcharam da Igreja da Candelária até a Cinelândia, no centro da cidade. “Estamos aqui porque a educação é a pior inimiga de Bolsonaro”, lamentou Jessica Pinheiro, 19, estudante de ciências sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Jéssica faz parte do sindicato Juntos UFRJ, ao qual ingressou quando ingressou na universidade há um ano. “Viemos parar esses cortes”, continuou Pinheiro.
“O governo de Jair Bolsonaro é o que mais tem visado as universidades.”
As placas e slogans “Fora, Bolsonaro” condenam o presidente de extrema-direita e sua cruzada contra a educação. Diante dos protestos, o governo foi obrigado a recuar temporariamente, congelando o orçamento até dezembro.
“Quando as pessoas vão às ruas, elas podem mudar as coisas. Toda vez que fazemos manifestação conseguimos fazer o governo recuar, seja nas ruas ou nas redes sociais”, disse Pinheiro.
Mas, de acordo com a associação nacional de diretores de instituições federais de ensino superior (Andifes), a situação continua terrível. Sucessivos cortes orçamentários já estão comprometendo o funcionamento das universidades e dificultando o pagamento de funcionários.
Universidades federais em apuros
As reduções no orçamento para as universidades federais começaram em 2015, quando Dilma Rousseff (do Partido dos Trabalhadores) era presidente, mas aceleraram sob Bolsonaro.
As 68 universidades federais públicas do país estão agora em apuros. Segundo o secretário de finanças da UFRJ, Eduardo Raupp, “o orçamento da UFRJ diminuiu mais de € 13 milhões entre 2019 e 2022, sem levar em conta a inflação”.
A universidade federal do Rio de Janeiro, com 102 anos, é a melhor e maior do Brasil – com 67.000 alunos, 4.200 professores, 1.500 laboratórios de pesquisa e 45 bibliotecas. É a terceira melhor universidade da América Latina, segundo o ranking EduRank 2022 das universidades latino-americanas. É uma referência nacional e internacional para o ensino e as ciências, artes e cultura.
Mas ao longo dos anos, a queda no financiamento prejudicou profundamente edifícios e operações. Localizado no centro da cidade, no Largo São Francisco de Paula, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ é difícil de localizar. Neste antigo hospital psiquiátrico, construído há mais de 120 anos, tudo o que resta do seu esplendor passado é a sua escadaria de madeira. Hoje encontramos banheiros sujos, ervas daninhas, móveis quebrados, paredes em ruínas, vazamentos e elevadores quebrados.
“A universidade não pode mais pagar a equipe de limpeza. A força de trabalho é menor. Com isso, há muito descaso”, explica Ligia Bahia, professora da Faculdade de Medicina da UFRJ e pesquisadora de saúde pública.
Desde o início da pandemia, milhares de bolsas de estudo e pesquisa também foram suspensas. Além da infraestrutura física, todo o sistema educacional está em perigo.
Bahia, que assinou um apelo para votar no desafiante de Bolsonaro e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ressaltou que o estudo científico está em grande dificuldade em áreas cruciais como biodiversidade, segurança pública e até virologia.
“O Brasil já tem um baixo nível de pesquisa científica e tecnológica. [With these cuts], o país ficará para trás. Não poderemos estar lá no início das inovações e ficaremos atrás da comunidade científica internacional.”
Ministério da Educação em crise
Desde 2019, o ministério da educação é afetado por uma série de crises causadas por polêmicas e rotatividade rápida. Em junho, a polícia brasileira prendeu Milton Ribeiro, ministro da Educação de Bolsonaro na época, por acusações de suborno e tráfico de influência na distribuição de fundos públicos.
Em março, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma gravação em que o ministro dizia priorizar a concessão de bolsas para escolas em municípios administrados por “amigos”, em especial dois pastores influentes, a pedido do presidente Bolsonaro. Segundo relatos da imprensa, um dos pastores pediu a um prefeito que lhe desse um quilo de ouro em troca de ter seu pedido de financiamento escolar cancelado.
Ribeiro renunciou na sequência do escândalo. Ele está enfrentando uma sentença de dois a cinco anos de prisão por tráfico de influência e de dois a 12 anos por corrupção. O Brasil teve cinco ministros da educação em rápida sucessão durante o mandato de Bolsonaro. Esse estado de coisas, aliado à crise do Covid-19, enfraqueceu severamente o sistema educacional brasileiro como um todo.
Acesso universitário em jogo
Poucos dias antes da marcha de protesto no Rio, o sindicato estudantil Juntos UFRJ se reuniu sob as árvores do pátio do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. O microfone foi passado ao redor do círculo onde eles estavam sentados.
“Para mim, o protesto é necessário. Minha família é negra. Apenas dois ou três de nós conseguiram ir para a universidade. Isso é uma conquista para mim. E estou voltando sabendo que pode fechar”, preocupou Jessica.
Sob faixas proclamando: “Racistas, fora!” e cartazes com a imagem de Lula, a estudante de história Dulce Silva começa a falar. Com um sorriso largo e uma voz poderosa, ela lembra ao público cativado que “todo ano é a mesma história, nos dizem mais uma vez que a universidade corre o risco de fechar”. Embora diga que não está totalmente de acordo com Lula, ela o considera uma opção melhor do que Bolsonaro: “Pelo menos Lula não vai nos atacar como o governo de Jair Bolsonaro está fazendo. Lula conseguiu fazer grandes coisas pelas universidades. Tantas pessoas conseguiram ir para a universidade graças a ele.”
Muitos estudantes e professores acreditam que o governo Bolsonaro quer privatizar a gestão das universidades porque as vê como uma ameaça ao seu poder. “Para Jair Bolsonaro, as universidades reúnem elites intelectuais onde se desenvolvem ideias antirracistas, feminismo, ideologia de gênero. Ele vê as universidades como lugares que destroem os valores religiosos e conservadores que ele defende”, disse Bahia.
Ativismo estudantil pró-Lula
Em 2005, o governo Lula facilitou o acesso à educação para estudantes desfavorecidos ao introduzir o programa Universidade para Todos (Programa Universidade para Todos, em português), que instituiu um sistema de bolsas para estudantes de baixa renda. Com isso, o número de matrículas no ensino superior mais que dobrou nos governos Lula e Dilma, passando de 3,5 milhões em 2002 para mais de 7,1 milhões em 2014, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Durante um primeiro debate mordaz na televisão entre os dois turnos de votação, o ex-presidente não deixou de lembrar às pessoas seu histórico em educação comparado ao de Bolsonaro. Lula perguntou duas vezes quantas universidades e escolas técnicas ele havia aberto sob sua presidência. Bolsonaro não lhe deu um número e culpou a crise da Covid-19.
O ex-presidente de esquerda prometeu fazer da educação e do acesso à universidade uma prioridade se vencer no domingo. E para muitos estudantes da UFRJ, votar em Lula é a escolha certa.
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