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Os admiradores do talentoso roteirista e diretor japonês Makoto Shinkai reconhecerão seu toque desde os momentos iniciais de seu novo longa-metragem de animação, “Suzume”. Uma história comovente sobre amor e salvação, perda e memória, o filme abre em um céu azul escuro beijado por tons pastel de rosa e roxo, com estrelas que brilham como joias perfeitamente incrustadas. Você pode esperar ver um cometa de fogo passando, muito parecido com aquele que causou estragos tão bonitos no grande sucesso de Shinkai em 2016, “Your Name”. Mas a desgraça que paira aqui é de um tipo diferente, enraizada nas memórias sombrias do desastre do terremoto de Tohoku em 2011, e realizada na forma de um monstro vermelho serpentino, conhecido apenas como Worm, que pressagia outro cataclismo em formação.
A tarefa de manter aquele monstro sob controle – de impedir que este verme literalmente vire – recai sobre a improvável figura de Suzume (dublada por Nanoka Hara na versão em japonês), uma jovem de 17 anos que foi cortada do mesmo doce e-spunky pano como muitas outras heroínas de anime. Suzume involuntariamente coloca um ciclo potencial de destruição em movimento quando ela se depara com o que parece ser uma porta para lugar nenhum, mas acaba sendo um portal para uma dimensão distante conhecida como Ever-After. Uma aventureira nata, Suzume fica intrigada com o que está além da porta, que parece acenar para ela como um sonho meio esquecido. Mas esse sonho gera um pesadelo quando o Worm irrompe pelo portal como uma furiosa serpente aérea, que causará um enorme terremoto destrutivo se atingir a terra.
Em pouco tempo, Suzume une forças com Souta (Hokuto Matsumura), um belo jovem misterioso armado com uma chave mágica e poderosos encantamentos, que ajudam a conter a ameaça imediata. Juntos, eles partiram para selar essas portas mortais em todo o Japão, desde a ilha natal de Suzume, Kyushu, até a extensa metrópole de Tóquio. É uma missão gravemente séria, iluminada, mas também complicada por toques cômicos nada surpreendentes: há um gatinho veloz, Daijin (Ann Yamane), um coelho branco travesso para a Alice de Suzume. E depois há o inconveniente inesperado de Souta ser virado, muito contra a sua vontade, para uma cadeira.
Sim, uma cadeirinha infantil de madeira, com uma perna faltando e uma camada de tinta amarela desbotada. Acontece que há um significado mais profundo para essa escolha particular de objeto, mas a princípio a estranheza absoluta e inexplicável da transformação de Souta é exatamente o que a faz funcionar. Embora preso na forma de móveis, ele ainda pode correr, dormir e falar, e ele e Suzume estabelecem uma conexão emocional tão excêntrica quanto profunda. Sua dependência dela – é ela quem o resgata, na maioria das vezes – apenas fortalece essa conexão. Suzume carrega Souta durante grande parte de sua jornada, para que a visão de uma cadeira sensível não atraia atenção viral indesejada.

Uma imagem do filme “Suzume”.
(Crunchyroll)
A onipresença da mídia social é uma das tendências mais sutis e irônicas da história. Mas mesmo enquanto ele aponta para a presença cotidiana da tecnologia online, Shinkai empurra seus personagens – e nossa atenção – para estruturas físicas e paisagens que se tornaram obsoletas. As portas perigosas que Suzume e Souta devem rastrear tendem a aparecer, reveladoramente, em lugares que o tempo esqueceu: as ruínas de uma antiga casa de banhos, um parque de diversões abandonado. Fechar aquelas portas requer um ato de comemoração, um reconhecimento a todas as pessoas que habitaram estes espaços, e que por diversas razões não os habitam mais.
Essa sensação de perda confere a “Suzume” uma ressonância agridoce, em que os ecos do 11 de março de 2011 só ocasionalmente se explicitam. Esta não é a primeira vez que Shinkai levanta o espectro de um desastre ambiental dentro do contexto de uma fantasia adolescente sentimental e desmaiada, e se esta não alcançar as complexidades deslumbrantes ou as alturas emocionais crescentes de “Your Name”, sua fácil mistura de encantamento e sentimento é quase tão difícil de resistir. Como aquele filme e seu sucessor, o adorável “Weathering With You”, “Suzume” tem sido um enorme sucesso comercial no Japão; está recebendo um lançamento consideravelmente amplo nos cinemas norte-americanos, tanto em uma versão dublada em inglês quanto em uma versão legendada em japonês (a que foi analisada aqui e a que você deve procurar).
No fundo, é um conto otimista, no qual nem a própria experiência de luto da infância de Suzume – nem seu relacionamento às vezes difícil com a tia (Eri Fukatsu) que a criou – está além do alcance da cura. É também uma história sobre a bondade cotidiana de estranhos e, como seria negligente não apontar, as refeições deliciosas que eles servem para nossa heroína faminta e agradecida. Isso também não é novidade para Shinkai, e nunca envelhece.
‘Suzume’
Em japonês com legendas em inglês e versões dubladas em inglês
Avaliação: PG, para ação/perigo, linguagem, elementos temáticos e tabagismo
Jogando: Começa em 14 de abril na versão geral
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