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Relatório: Famílias vivem sem água há semanas na capital de Cabo Verde

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Na casa de Lúcia Barros, as instruções são claras: as crianças devem tentar adaptar-se às suas necessidades fisiológicas até chegarem à escola, para colmatar a falta de água em casa, na capital de Cabo Verde.

“As crianças devem reduzir as idas à casa de banho”, disse uma moradora do bairro Tierra Chapéo, na cidade da Praia, que está há um mês sem água pública, fornecida pelas Águas de Santiago (AdS).

A escassez de água é um problema recorrente na Praia, em todos os bairros da cidade de 145 mil habitantes, que se agravou nas últimas semanas, levando a que as torneiras secassem em muitas casas, com os moradores a exigirem explicações.

A AdS queixa-se de dificuldade crónica em não conseguir captar mais de metade da quantidade de água da rede, devido a ligações ilegais, dificuldades de faturação e perdas em canalizações.

A empresa raciona água, com horários para cada bairro, obrigando todas as casas ou edifícios a terem cisternas – mas a pressão na rede nem sempre é suficiente para abastecer nos prazos disponíveis.

É um cenário que se reflete nas reservas de Lúcia Barros, de 47 anos, que já chegaram ao fundo do poço.

Portanto, todas as três crianças devem usar “as mesmas roupas pelo menos duas vezes”.

“Tenho uma casa suja e há um mês só a varro sem esfregar. [molhado] No chão”, lamentou à Lusa na varanda da casa, ao descobrir todos os barris um a um, para mostrar que já não havia gotas de água neles.

Ainda existe um depósito, quase vazio, a ser gerido gota a gota.

Lúcia tem comprado 200 litros de água de uma só vez a camiões-cisterna que a vendem por 320 escudos (2,9 euros), mas só a utiliza para “limpar o chão e a sanita” devido à sua “cor amarelada”.

Este montante pode ser um fardo pesado num país onde o salário mínimo oficial é pouco superior a 100 euros.

No futuro, na mesma rua de terra, o abastecimento de água foi mais frequente, mas a situação piorou.

Bernardina Moreira, de 79 anos, está indignada e protesta contra tudo e contra todos porque está há 16 dias sem água da rede pública, um número recorde já que vive naquela zona da capital de Cabo Verde.

“A água chegava a cada três dias”, lembra ele em meio ao barulho dos recipientes vazios que expõe em todos os cômodos da casa.

Josefa da Vega, 62 anos, do bairro Eugenio Lima, em outro bairro da cidade, também faz cálculos, que começa mostrando os cantos da casa cheios de cilindros e baldes, que serão enchidos na primeira oportunidade.

A provação foi tão grande que há uma semana ele passou uma noite inteira no quintal, esperando uma gota d'água que escorreu por alguns minutos no térreo e só dava para encher recipientes de 10 litros cada.

Ele disse que dezembro foi a última vez que a água subiu ao terceiro andar e encheu o armazém de uma tonelada.

A falta de água pública na capital tem sido uma oportunidade de negócio para quem fornece água de poços nas áreas de Trinidad e João Varela.

É o caso de Nilton Fonseca, funcionário da Câmara Municipal, que tirou licença e criou uma empresa dedicada ao fornecimento de água a diversas residências.

Ele recebe “mais de 100 ligações” diariamente, mas não consegue atender todas.

O responsável da AdS explicou que a Electra General Company, responsável pela recolha de água, não fornece água suficiente para a empresa distribuir.

Segundo Nilton Duarte, a AdS recebe diariamente 12 mil metros cúbicos de água, mas precisa de mais de 15 mil para normalizar o abastecimento e compensar perdas e roubos, prática frequente na capital de Cabo Verde.

A AdS foi oficialmente criada em maio de 2014 e tem como acionistas o Estado (49%) e os nove municípios da ilha de Santiago.

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