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Assim como as impressões digitais, os cartuchos descartados de uma arma de fogo têm marcações exclusivas. Isso permite que especialistas forenses comparem os invólucros da cena do crime com os da arma de um suspeito. Encontrar e denunciar uma incompatibilidade pode ajudar a libertar os inocentes, tal como uma correspondência pode incriminar o culpado.
Mas um novo estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Iowa revela que as incompatibilidades são mais prováveis do que as correspondências de serem relatadas como “inconclusivas” em comparações entre cartuchos.
“Os peritos em armas de fogo não estão a reportar provas que sejam favoráveis à defesa, e isso tem de ser abordado e corrigido. Esta é uma terrível injustiça para com pessoas inocentes que contam com peritos examinadores para emitir um relatório mostrando que a sua arma não estava envolvida, mas sim ficam indefesos diante de um relatório que diz que o resultado foi inconclusivo”, diz Gary Wells, um pioneiro e estudioso reconhecido internacionalmente na pesquisa de memória de testemunhas oculares.
O Distinto Professor Emérito foi coautor do artigo com Andrew Smith, professor associado de psicologia quantitativa. Smith estuda memória, julgamento e tomada de decisão e é afiliado ao Programa de Psicologia Cognitiva e ao grupo de Pesquisa em Psicologia e Direito do Estado de Iowa.
Os dois pesquisadores retiraram um conjunto de dados de um experimento publicado anteriormente envolvendo 228 examinadores de armas de fogo e 1.811 comparações de cartuchos. No geral, os participantes foram altamente precisos ao determinar se os invólucros de uma arma de fogo comum combinavam ou não. Mas quando Smith e Wells aplicaram um modelo matemático bem estabelecido aos dados, descobriram que 32% dos ensaios reais de incompatibilidade foram relatados como inconclusivos, em comparação com 1% dos ensaios reais de correspondência.
“Se os 16% dos relatórios inconclusivos se alinhassem de forma mais uniforme entre as correspondências reais e as não-correspondências, poderíamos atribuir isso a um erro humano. Mas a assimetria, combinada com o desempenho quase perfeito dos examinadores, indicava que algo mais estava acontecendo. Eles quase certamente sabiam que a maioria dos casos que consideraram inconclusivos eram incompatibilidades reais”, diz Smith.
Fazendo a pergunta errada
Os pesquisadores dizem que uma escala de resposta falha poderia ajudar a explicar a dissociação entre o que os examinadores sabem e o que relatam.
Atualmente, a Escala de Conclusão da Associação de Examinadores de Marcas de Armas de Fogo e Ferramentas pergunta aos especialistas forenses em armas de fogo se os invólucros da cena do crime e os invólucros da arma do suspeito são da mesma fonte. Smith e Wells dizem que o problema com a questão da “fonte” é que é possível que uma incompatibilidade seja atribuída a uma arma de fogo alterada ou a uma evidência degradada.
Com estas explicações possíveis, Smith e Wells dizem que alguns examinadores podem assumir a posição de que nunca é apropriado chamar algo de incompatibilidade e, em vez disso, considerar os resultados inconclusivos.
“Em vez de pedir aos examinadores que determinem a origem, os examinadores deveriam simplesmente ser questionados se os cartuchos da arma do suspeito correspondem aos cartuchos encontrados na cena do crime. Perguntar se os cartuchos coincidem ou não e até que ponto poderiam fornecer mais transparência”, diz Smith.
Perguntas sobre alterações e degradação poderiam ser feitas separadamente, acrescenta Smith.
Wells enfatiza que até que a escala de resposta seja fixada, os advogados de defesa devem interrogar especialistas forenses em armas de fogo que alegam resultados inconclusivos. Eles precisam “mostrar seu trabalho”, diz ele. Wells também recomenda obter uma segunda opinião se o relatório de comparação do cartucho for inconclusivo.
Viés no laboratório
Os pesquisadores dizem que outra explicação possível para considerar um resultado inconclusivo quando na verdade é uma incompatibilidade é o “viés de lealdade adversária”.
“A maioria dos examinadores forenses de armas de fogo e seus laboratórios são contratados pela promotoria ou pelos departamentos de polícia”, diz Smith. “Alguns examinadores podem apresentar relatórios inconclusivos, apesar da incompatibilidade, porque não querem prejudicar o lado que é essencialmente seu empregador”.
Smith e Wells dizem que esse tipo de viés também pode ocorrer em nível de laboratório. Eles apontam para dados de pesquisas que mostram que alguns laboratórios têm políticas que não permitem que os examinadores relatem incompatibilidades.
“É difícil livrar-se do preconceito, mas fixar a escala de resposta ajudaria muito a resolver o problema”, diz Wells. “Enquanto isso, provavelmente há casos passados que precisam ser relitigados.”
Os investigadores sublinham que a ciência forense precisa de ser competente não só em incriminar os culpados, mas também em libertar os inocentes de suspeitas. Minimizar os preconceitos e melhorar a transparência nas comparações entre cartuchos ajudará a criar um sistema de justiça criminal mais justo e eficiente.
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