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Os cientistas realizam simulações computacionais para moléculas biológicas detectadas em meteoritos para esclarecer a origem da vida na Terra.
Todos os aminoácidos biológicos na Terra aparecem exclusivamente em sua forma canhota, mas a razão subjacente a essa observação é indescritível. Recentemente, cientistas do Japão descobriram novas pistas sobre a origem cósmica dessa assimetria. Com base nas propriedades ópticas dos aminoácidos encontrados no meteorito Murchison, eles realizaram simulações baseadas na física, revelando que os precursores dos aminoácidos biológicos podem ter determinado a quiralidade dos aminoácidos durante a fase inicial da evolução galáctica.
Se você olhar para suas mãos, notará que elas são imagens espelhadas uma da outra. No entanto, não importa o quanto você tente virar e girar uma mão, você nunca será capaz de sobrepô-la perfeitamente sobre a outra. Muitas moléculas têm uma propriedade semelhante chamada “quiralidade”, o que significa que a versão “canhota” (L) de uma molécula não pode ser sobreposta à sua versão “direita” (D) da imagem espelhada. Embora ambas as versões de uma molécula quiral, chamadas “enantiômeros”, tenham a mesma fórmula química, a maneira como elas interagem com outras moléculas, especialmente com outras moléculas quirais, pode variar imensamente.
Curiosamente, um dos muitos mistérios que cercam a origem da vida como a conhecemos tem a ver com a quiralidade. Acontece que os aminoácidos biológicos (AAs) – os blocos de construção das proteínas – na Terra aparecem apenas em uma de suas duas formas enantioméricas possíveis, ou seja, a forma L. No entanto, se você sintetizar AAs artificialmente, as formas L e D são produzidas em quantidades iguais. Isso sugere que, em algum momento no passado, os L-AAs devem ter dominado um mundo heteroquiral. Esse fenômeno é conhecido como “quebra de simetria quiral”.
Diante desse cenário, uma equipe de pesquisa liderada pelo professor assistente Mitsuo Shoji, da Universidade de Tsukuba, no Japão, conduziu um estudo com o objetivo de resolver esse mistério. Conforme explicado em seu artigo publicado em O Jornal de Cartas de Química Físicaa equipe procurou encontrar evidências que apoiassem a origem cósmica da homoquiralidade dos AAs na Terra, bem como resolver algumas inconsistências e contradições em nosso entendimento anterior.
“A ideia de que a homoquiralidade pode ter se originado no espaço foi sugerida depois que AAs foram encontrados no meteorito Murchison que caiu na Austrália em 1969”, explica o Dr. Shoji. Curiosamente, nas amostras obtidas deste meteorito, cada um dos L-enantiômeros foi mais prevalente do que sua contraparte D-enantiômero. Uma explicação popular para isso sugere que a assimetria foi induzida pela luz ultravioleta polarizada circularmente (CPL) nas regiões de formação estelar de nossa galáxia. Os cientistas verificaram que esse tipo de radiação pode, de fato, induzir reações fotoquímicas assimétricas que, com tempo suficiente, favoreceriam a produção de L-AAs em detrimento de D-AAs. No entanto, as propriedades de absorção da isovalina AA são opostas às dos outros AAs, o que significa que a explicação baseada em UV sozinha é insuficiente ou incorreta.
Diante desse cenário, a equipe do Dr. Shoji buscou uma hipótese alternativa. Em vez da radiação UV distante, eles levantaram a hipótese de que a assimetria quiral foi, de fato, induzida especificamente pela linha de emissão CP Lyman-α (Lyα), uma linha espectral de átomo de hidrogênio que permeou a Via Láctea primitiva. Além disso, em vez de focar apenas nas fotorreações em AAs, os pesquisadores investigaram a possibilidade de a assimetria quiral começar nos precursores dos AAs, ou seja, aminopropanais (APs) e aminonitrilas (ANs).
Por meio de cálculos de mecânica quântica, a equipe analisou as reações induzidas por Lyα para produzir AAs ao longo da via química adotada na síntese de Strecker. Eles então observaram as proporções de enantiômeros L para D de AAs, APs e ANs em cada etapa do processo.
Os resultados mostraram que L-enantiômeros de ANs são preferencialmente formados sob irradiação destro CP (R-CP) Lyα, com suas razões enantioméricas correspondentes às dos AAs correspondentes. “Em conjunto, nossas descobertas sugerem que os ANs são a base da origem da homoquiralidade”, comenta o Dr. Shoji. “Mais especificamente, a irradiação de precursores de AN com radiação R-CP Lyα leva a uma proporção maior de L-enantiômeros. A predominância subsequente de L-AAs é possível por meio de reações induzidas por moléculas de água e calor.”
O estudo, portanto, nos aproxima um passo da compreensão da complexa história de nossa própria bioquímica. A equipe enfatiza que mais estudos focados em ANs precisam ser conduzidos em futuras amostras de asteróides e cometas para validar suas descobertas. “Outras análises e investigações teóricas de ANs e outras moléculas prebióticas relacionadas a açúcares e nucleobases fornecerão novos insights sobre a evolução química das moléculas e, por sua vez, a origem da vida”, conclui o otimista Dr. Shoji.
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