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O primeiro químico da história pode ter sido uma perfumista

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A fabricação de perfumes remonta a pelo menos 3.000 anos – na época de Tapputi-belat-ekalle, considerado o primeiro químico da história. O que sabemos sobre ela vem de inscrições em fragmentos de tábuas de argila que datam do período da Assíria Média (1400–1000 AC).

As inscrições dizem-nos que Tapputi estava encarregado de “supervisionar o palácio” como líder de um coletivo de mulheres especialistas em perfumes na Mesopotâmia (actual Iraque e Irão). Esses muraqqītu, especialistas em aromáticos, preparavam fragrâncias para o rei e sua família real. As inscrições, expostas no Museu Vorderasiatisches de Berlim, também mostram um procedimento detalhado de como Tapputi produziu um de seus perfumes. Tapputi e sua equipe usaram plantas e flores aromáticas e medicinais, comumente encontradas na época, para extrair óleos essenciais e fragrâncias.

Os perfumes podem ser florais, frutados, doces, picantes, amadeirados e muito mais. Esses atributos, ou “notas”, são o que nos atrai quando escolhemos um para vestir. As diferentes moléculas químicas que compõem as notas do perfume são conhecidas como compostos voláteis. São compostos que evaporam facilmente. Quando essas moléculas se transformam em gás, elas são detectadas pelos órgãos sensoriais do nariz.

Por trás das sensações que sentimos com nosso perfume favorito, existe um processo sofisticado onde arte e química estão intimamente entrelaçadas.

A receita de Tapputi descreve uma série de técnicas para extrair e concentrar compostos aromáticos voláteis que ainda são fundamentais para diversas aplicações químicas, como a produção de perfumes, cosméticos, medicamentos ou suplementos.

Algumas dessas técnicas de extração envolvem aquecimento. Para preparar uma decocção (extração de substâncias solúveis em água das plantas), por exemplo, a matéria-prima, como folhas ou raízes, é fervida por um período prolongado com um solvente como a água. A técnica de infusão também foi descrita. É aqui que o material a ser extraído é embebido brevemente em água quente, como um chá.

Outras técnicas contam com o poder extrativo do solvente no qual a matéria-prima fica embebida por longo tempo em temperatura ambiente – processo conhecido como maceração.

A receita de Tapputi também ilustrava uma sequência de aquecimento e resfriamento da matéria-prima, num processo que lembra o que hoje chamaríamos de destilação. Este método usa evaporação e condensação para separar os diferentes compostos perfumados voláteis uns dos outros. Esta conversão do estado líquido para o gasoso, e vice-versa, baseia-se na facilidade e na temperatura em que os compostos evaporam.

Por fim, foram realizadas múltiplas etapas de refinamento via filtração, para obter perfumes “dignos de um rei”.

Estas mesmas técnicas ainda são relevantes na perfumaria moderna, mas foram otimizadas ao longo dos séculos e agora são mais eficientes.

Todos os narizes são iguais?

Se Tapputi tivesse nascido nos tempos modernos, ela poderia ter sido um “nariz”, termo para designar perfumistas altamente qualificados, que dominam a química e a criatividade. Como na natureza, muitos perfumes combinam um grande número de compostos aromáticos. Fazer um perfume significa avaliar a interação de muitos compostos voláteis numa mistura e a sua estabilidade, isoladamente e em conjunto, após o engarrafamento.

Esses profissionais altamente treinados podem distinguir confortavelmente notas com diferenças sutis e recriá-las em seu laboratório.

A experiência de narizes talentosos também encontra aplicação na análise sensorial nas indústrias de alimentos, bebidas e cosméticos, onde estudam a sensação de um produto através dos seus cinco sentidos.

No laboratório, os químicos recorrem frequentemente a instrumentos avançados para tentar compreender a origem do aroma dos produtos naturais. Esses instrumentos examinam a fragrância complexa para separar e identificar as centenas de moléculas voláteis que, quando combinadas, dão o aroma geral que nosso nariz pode sentir.

No nosso estudo recente, por exemplo, analisámos o aroma de algumas amostras de mel irlandês, comercializado como mel de urze, para compreender melhor a sua origem botânica. Os compostos voláteis encontrados no mel originam-se principalmente das plantas e flores que as abelhas visitavam para coletar o néctar que, após muito processamento, é convertido em mel. Descobrimos que todas as amostras tinham notas aromáticas de várias plantas diferentes.

Uma nova fronteira na pesquisa de aromas reside no desenvolvimento dos “e-nariz”. Estes são dispositivos eletrônicos com detecção de moléculas que imitam a forma como nossos narizes detectam compostos voláteis, fornecendo uma “impressão digital”, uma triagem dos compostos aromáticos característicos de uma amostra. Esses narizes eletrônicos também podem ser importantes para outras indústrias. Por exemplo, no diagnóstico de doenças (impressões digitais de moléculas voláteis podem mudar com os níveis de açúcar no sangue) e para controlo de qualidade na indústria alimentar, onde a impressão digital volátil de um alimento pode mudar à medida que se deteriora.

A pesquisa moderna em perfumes também está explorando a importante, mas muitas vezes esquecida, psicologia da fragrância. Eles detêm um poder altamente evocativo sobre os humanos. Estamos começando a entender por que certos aromas fazem você querer uma xícara de chá, querer manter o nariz enfiado em um livro ou se sentir festivo.

Isto parece depender da interligação física entre o nosso sentido do olfato e as partes do nosso cérebro ligadas às memórias e emoções.

Isto poderia explicar porque, na época de Tapputi, as fragrâncias não eram vistas apenas como cosméticas, mas também tinham uma função religiosa. Eles eram usados ​​como parte de rituais e cerimônias e oferecidos aos deuses para estabelecer uma conexão invisível com eles.

Se a leitura disso deixou você curioso sobre perfumaria, experimente fazer um perfume inspirado na fragrância de Tapputi.

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