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O cientista japonês Kikunae Ikeda propôs pela primeira vez o umami como um sabor básico – além de doce, azedo, salgado e amargo – no início do século XX. Cerca de oito décadas depois, a comunidade científica concordou oficialmente com ele.
Agora, cientistas liderados por pesquisadores da Faculdade de Letras, Artes e Ciências da USC Dornsife têm evidências de um sexto gosto básico.
Em pesquisa publicada em 10 de outubro em Comunicações da Naturezaa neurocientista da USC Dornsife, Emily Liman, e sua equipe descobriram que a língua responde ao cloreto de amônio por meio do mesmo receptor de proteína que sinaliza o sabor amargo.
“Se você mora em um país escandinavo, conhecerá e poderá gostar desse sabor”, diz Liman, professor de ciências biológicas. Em alguns países do norte da Europa, o alcaçuz salgado é um doce popular pelo menos desde o início do século XX. A guloseima conta entre seus ingredientes o sal salmiak, ou cloreto de amônio.
Os cientistas reconheceram durante décadas que a língua responde fortemente ao cloreto de amônio. No entanto, apesar da extensa pesquisa, os receptores específicos da língua que reagem a ela permaneceram indefinidos.
Liman e a equipe de pesquisa pensaram que poderiam ter uma resposta.
Nos últimos anos, descobriram a proteína responsável pela detecção do sabor amargo. Essa proteína, chamada OTOP1, fica dentro das membranas celulares e forma um canal para os íons de hidrogênio que entram na célula.
Os íons de hidrogênio são o principal componente dos ácidos e, como sabem os gourmets de todo o mundo, a língua sente o ácido como azedo. É por isso que a limonada (rica em ácidos cítrico e ascórbico), o vinagre (ácido acético) e outros alimentos ácidos conferem um toque de acidez quando atingem a língua. Os íons de hidrogênio dessas substâncias ácidas movem-se para as células receptoras gustativas através do canal OTOP1.
Como o cloreto de amônio pode afetar a concentração de ácido – isto é, íons de hidrogênio – dentro de uma célula, a equipe se perguntou se ele poderia de alguma forma desencadear o OTOP1.
Para responder a esta questão, eles introduziram o gene Otop1 em células humanas cultivadas em laboratório para que as células produzissem a proteína receptora OTOP1. Eles então expuseram as células ao ácido ou ao cloreto de amônio e mediram as respostas.
“Vimos que o cloreto de amônio é um ativador muito forte do canal OTOP1”, disse Liman. “Ele ativa tão bem ou melhor que os ácidos.”
O cloreto de amônio libera pequenas quantidades de amônia, que se move dentro da célula e aumenta o pH, tornando-a mais alcalina, o que significa menos íons de hidrogênio.
“Essa diferença de pH impulsiona um influxo de prótons através do canal OTOP1”, explicou Ziyu Liang, estudante de doutorado no laboratório de Liman e primeiro autor do estudo.
Para confirmar que o resultado era mais do que um artefato de laboratório, eles recorreram a uma técnica que mede a condutividade elétrica, simulando como os nervos conduzem um sinal. Usando células de papilas gustativas de ratos normais e de ratos previamente geneticamente modificados em laboratório para não produzirem OTOP1, eles mediram quão bem as células gustativas geraram respostas elétricas chamadas potenciais de ação quando o cloreto de amônio é introduzido.
As células das papilas gustativas de camundongos do tipo selvagem mostraram um aumento acentuado nos potenciais de ação após a adição de cloreto de amônio, enquanto as células das papilas gustativas dos camundongos sem OTOP1 não responderam ao sal. Isto confirmou a hipótese de que o OTOP1 responde ao sal, gerando um sinal elétrico nas células das papilas gustativas.
O mesmo aconteceu quando outro membro da equipe de pesquisa, Courtney Wilson, registrou sinais dos nervos que inervam as células gustativas. Ela viu os nervos responderem à adição de cloreto de amônio em camundongos normais, mas não em camundongos sem OTOP1.
Em seguida, a equipe deu um passo adiante e examinou como os ratos reagem quando têm a opção de beber água pura ou água misturada com cloreto de amônio. Para estas experiências, eles desativaram as células amargas que também contribuem para o sabor do cloreto de amônio. Os ratos com uma proteína OTOP1 funcional acharam o sabor do cloreto de amônio desagradável e não beberam a solução, enquanto os ratos sem a proteína OTOP1 não se importaram com o sal alcalino, mesmo em concentrações muito altas.
“Este foi realmente o argumento decisivo”, disse Liman. “Isso mostra que o canal OTOP1 é essencial para a resposta comportamental ao amônio”.
Mas os cientistas não terminaram. Eles se perguntaram se outros animais também seriam sensíveis e usariam seus canais OTOP1 para detectar amônio. Eles descobriram que o canal OTOP1 em algumas espécies parece ser mais sensível ao cloreto de amônio do que em outras espécies. E os canais OTOP1 humanos também eram sensíveis ao cloreto de amônio.
Então, qual é a vantagem de provar o cloreto de amônio e por que ele é evolutivamente tão conservado?
Liman especula que a capacidade de sentir o sabor do cloreto de amônio pode ter evoluído para ajudar os organismos a evitar a ingestão de substâncias biológicas nocivas que possuem altas concentrações de amônio.
“O amônio é encontrado em resíduos – pense em fertilizantes – e é um tanto tóxico”, explicou ela, “então faz sentido que desenvolvamos mecanismos de sabor para detectá-lo. O frango OTOP1 é muito mais sensível ao amônio do que o peixe zebra.” Liman especula que estas variações podem refletir diferenças nos nichos ecológicos de diferentes animais. “Os peixes podem simplesmente não encontrar muito amônio na água, enquanto os galinheiros estão cheios de amônio que precisa ser evitado e não comido”.
Mas ela adverte que esta é uma pesquisa muito inicial e que são necessários mais estudos para compreender as diferenças entre as espécies na sensibilidade ao amônio e o que torna os canais OTOP1 de algumas espécies sensíveis e outras menos sensíveis ao amônio.
Para esse fim, eles começaram. “Identificamos uma parte específica do canal OTOP1 – um aminoácido específico – que é necessário para responder ao amônio”, disse Liman. “Se transformarmos este resíduo, o canal não será tão sensível ao amônio, mas ainda responderá ao ácido.”
Além disso, como este aminoácido é conservado em diferentes espécies, deve ter havido pressão selectiva para mantê-lo, diz ela. Em outras palavras, a capacidade do canal OTOP1 de responder ao amônio deve ter sido importante para a sobrevivência dos animais.
No futuro, os investigadores planeiam alargar estes estudos para compreender se a sensibilidade ao amónio é conservada entre outros membros da família de protões OTOP, que são expressos noutras partes do corpo, incluindo no trato digestivo.
E quem sabe? Talvez o cloreto de amônio se junte aos outros cinco sabores básicos, elevando a contagem oficial para seis.
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