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Quase um quarto da Amazônia Legal foi desmatada e mais de 1 milhão de km2 estão degradadas. Crédito: IBAMA Indicadores regionais para a LAM.
A Amazônia Legal Brasileira (ABL) — que compreende toda a Bacia Amazônica localizada no Brasil e vastas faixas adjacentes do Cerrado, abrangendo nove estados — tem mais de 5 milhões de quilômetros quadrados (km2) em área e corresponde a quase 60% da massa terrestre do país. Quase um quarto desta área (23%) foi desmatada, e mais de 1 milhão de km2 estão degradados, de modo que a região corre o risco de atingir um ponto de inflexão ecológico, no qual os ecossistemas entram em colapso e bilhões de toneladas de carbono são liberados na atmosfera.
Algumas partes da BLA, especialmente as terras de fronteira do Cerrado e o chamado “Arco do Desmatamento”, são agora emissoras líquidas de carbono. A conservação das áreas de floresta virgem e a reabilitação de áreas degradadas são urgentemente necessárias, e membros da comunidade global estão tomando medidas a esse respeito.
A demanda estrangeira por commodities é frequentemente considerada o principal motor do desmatamento. É certamente significativa, mas os mercados domésticos exercem uma pressão muito maior, de acordo com um estudo de Eduardo Haddad e colaboradores publicado no periódico Natureza Sustentabilidade.
“O desmatamento é frequentemente avaliado do ponto de vista da oferta, o que significa que a análise foca nos setores produtivos que estão promovendo a substituição da floresta por outros usos da terra, como o cultivo de lavouras e a criação de gado. A metodologia que usamos nos permitiu ver o fenômeno do desmatamento também da perspectiva da demanda, identificando as fontes dos estímulos econômicos que envolvem os setores produtivos no desmatamento.
“Com base nesse critério, nosso estudo mostra que 83,17% do desmatamento foi motivado pela demanda de fora da Amazônia e apenas 16,83% pela demanda da região. Desmembrando esses 83,17%, descobrimos que a demanda de outras partes do Brasil foi responsável por 59,68% e a demanda estrangeira por 23,49%”, disse Haddad.
Haddad é professor titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e consultor de organismos multilaterais de financiamento ao desenvolvimento, como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Joint Africa Institute (JAI).
A metodologia usada no estudo foi baseada principalmente no modelo de matriz de insumo-produto desenvolvido pelo economista russo-americano Wassily Leontief (1906–1999). O modelo representa as relações entre setores econômicos como uma matriz, mostrando como insumos em uma indústria produzem produtos para consumo ou para uso como insumos por outra indústria, e como mudanças na produção de bens ou serviços afetam a demanda por insumos.
“No Brasil, a matriz insumo-produto mais recente foi produzida pelo IBGE [the national statistics bureau] em 2015. Não foi atualizado desde então, devido à complexidade matemática e ao acesso restrito a dados de milhões de empresas e suas estruturas de negócios. Usar dados de 2015 seria inadequado se não fosse pelo fato lamentável de que a estrutura da economia brasileira mudou muito pouco nesse meio tempo.
“A década de 2010 foi a pior década para o PIB na série temporal de 120 anos, com crescimento de apenas 0,3% ao ano em média. Usamos a matriz de insumo-produto de 2015 adaptada para a BLA, combinada com dados setoriais e regionais de desmatamento e emissões de gases de efeito estufa, para medir o impacto direto e indireto da demanda doméstica e estrangeira por insumos e produtos da BLA, com foco em setores intensivos em desmatamento, como a agricultura”, explicou Haddad.

Indicadores regionais para a LAM. Crédito: Natureza Sustentabilidade (2024). DOI: 10.1038/s41893-024-01387-7
Mudanças no uso do solo
A Amazônia passou por enormes mudanças no último meio século. Inovações técnicas, investimentos em infraestrutura e mudanças políticas facilitaram a expansão da agricultura de soja do Cerrado central para vastas porções da BLA.
A produção local de soja, que era inferior a 200 toneladas métricas em 1974, ou apenas 0,02% do total nacional, atingiu 50 milhões de toneladas em 2022, respondendo por 41,5% do total. A pecuária expandiu-se de forma igualmente vertiginosa, de 8,9 milhões de cabeças de gado em 1974 (9,5% do total nacional) para 104,3 milhões em 2022 (44,5% do total).
“A expansão da pecuária foi impulsionada principalmente pelo crescimento do consumo de carne bovina, laticínios e artigos de couro em outras partes do Brasil. Em linha com o aumento da renda per capita e a rápida urbanização, o consumo de carne aumentou mais rápido do que a média mundial após a década de 1960.
“Dos 1,4 milhão de hectares desmatados para dar lugar a pastagens para gado, 61,63% responderam direta ou indiretamente à demanda interna de fora da Amazônia e 21,06% à demanda externa. O desmatamento para dar lugar a lavouras apresentou um padrão diferente, com 58,38% respondendo à demanda por exportações e 41,62% à demanda interna”, disse Haddad.
O estudo observa que o desmatamento no Brasil tem se concentrado geograficamente na BLA, afetando diferentes biomas. Em 2015, a BLA foi responsável por 65,7% do desmatamento total em todo o país. A pecuária foi a principal causa imediata (com 93,4% do total regional), seguida pelo cultivo de culturas, principalmente soja, milho e algodão (6,4%) e mineração (0,2%). A construção de infraestrutura e a urbanização intensiva estavam entre os fatores antrópicos diretamente ligados à eliminação ou degradação da cobertura vegetal original nos biomas Floresta Amazônica e Cerrado.
“Atividades ilegais como a grilagem [misappropriation of government land via falsification of title deeds] são altamente relevantes neste contexto. Um estudo recente mostra que metade de todo o desmatamento visto na BLA nas últimas duas décadas ocorreu em terras do governo ilegalmente ocupadas por grileiros. O litígio sobre a propriedade da terra dura décadas e não impede que a maioria das áreas ilegais ou o desmatamento ilegal em propriedade privada participem tanto do mercado de terras quanto do processo de produção”, disse Haddad.
Este último estudo mostra que a demanda econômica das regiões mais desenvolvidas do Brasil (Sudeste, Centro-Oeste e Sul) é um impulsionador ainda mais forte do desmatamento na Amazônia do que o mercado de exportação. Esta descoberta é uma contribuição importante para a formulação de políticas e ações da sociedade civil para conservar ou regenerar tais áreas.
Além disso, como as mudanças no uso da terra por meio da pecuária e da monocultura ainda são as principais fontes de CO2 no Brasil, o controle do desmatamento e da degradação é fundamental para que o Brasil alcance suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Haddad is the first author of the study, whose last author is Carlos Afonso Nobre. The other co-authors are Inácio Fernandes de Araújo Junior, Rafael Feltran Barbieri, Fernando Salgueiro Perobelli, Ademir Rocha, and Karina Simone Sass.
Mais informações:
Eduardo A. Haddad et al, Motores econômicos do desmatamento na Amazônia Legal Brasileira, Natureza Sustentabilidade (2024). DOI: 10.1038/s41893-024-01387-7
Citação: O desmatamento na Amazônia é impulsionado mais pela demanda interna do que pelo mercado de exportação, descobre estudo (2024, 20 de setembro) recuperado em 20 de setembro de 2024 de https://phys.org/news/2024-09-deforestation-amazon-driven-domestic-demand.html
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