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Para a maioria de nós, criar imagens mentais baseadas na fala ou na memória é muito fácil.
Se eu disser “cubo”, você provavelmente já está imaginando um em sua mente (embora as pessoas com afantasia tenham pouca ou nenhuma imagem mental).
Você pode não perceber, mas provavelmente também é muito bom em traduzir sensações físicas em imagens mentais. Imagine estar na escuridão total e segurar um objeto em forma de cubo. Há uma boa chance de você transformar essa informação tátil em uma imagem mental.
Durante séculos, cientistas e filósofos debateram se isto é algo que aprendemos a fazer ou se o nosso sistema nervoso está programado para isso. A pesquisa recente da minha equipe envolvendo pintinhos recém-nascidos ofereceu novos insights para essa questão.
Este tópico tem intrigado filósofos e cientistas durante séculos, remontando pelo menos a 1688, quando o filósofo irlandês William Molyneux escreveu uma carta ao colega filósofo John Locke. A carta de Molyneux ponderava se uma pessoa cega de nascença, que aprende a diferenciar entre um cubo e uma esfera através do toque, reconheceria esses objetos ao ganhar visão imediatamente. Esta questão também era pessoal para Molyneux – sua esposa havia perdido a visão logo após o casamento.
Estando focados no papel da experiência na formação de ideias e crenças das pessoas, empiristas como Locke pensam que a experiência sensorial é necessária para aprender ou compreender a correspondência entre informação tátil e visual.
No entanto, neurocientistas e filósofos começaram a desafiar esta visão. Alguns argumentam que a informação sensorial pode ser processada de uma forma tão geral e abstrata que, em algum nível, os detalhes se tornam irrelevantes.
Outros apontam para fenómenos como a sinestesia, onde as pessoas experimentam a estimulação de um sentido (como a audição) e têm uma experiência correspondente num sentido diferente (visão). Isto acontece, por exemplo, na “audição colorida”, quando a experiência de ouvir sons também produz a experiência de cores.
Antigamente, os cientistas pensavam que apenas os humanos podiam associar características sensoriais a diferentes modalidades, mas a investigação mostra que outros animais também o fazem.
Por exemplo, os cães combinam imagens pequenas com sons agudos e imagens grandes com ruídos graves. O estudo de 2023 da minha equipe descobriu que as tartarugas também fazem isso.

Chrisbrignell/Shutterstock
Mas os cientistas ainda não têm a certeza se os animais aprendem com a experiência a combinar informações entre os sentidos ou se esta capacidade é uma característica do sistema nervoso, que não requer experiência.
Os cientistas ficaram fascinados com a possibilidade de as sensações táteis evocarem espontaneamente representações visuais, como uma propriedade do sistema nervoso. No entanto, investigar estas questões não é fácil, especialmente quando se trata de seres humanos.
Na verdade, embora em alguns pacientes que nascem cegos, a visão pode ser restaurada com a remoção de uma catarata. Mas leva alguns dias para que a visão seja totalmente restaurada. Os pacientes testados 48 horas após a cirurgia não conseguiram resolver a tarefa de distinguir visualmente as formas originalmente apresentadas a eles na modalidade tátil, mas dominaram a tarefa em apenas cinco dias, em um estudo de 2011.
Alguns pesquisadores estudaram bebês para tentar responder à pergunta. No estudo de 1979 realizado por pesquisadores da Universidade de Washington, foram oferecidas aos recém-nascidos chupetas com formatos diferentes.
Em outro estudo de 2004, os recém-nascidos receberam objetos de diferentes formatos, como cilindros e prismas, para tocar. Quando eram mostrados aos bebês novos objetos e formas misturados com aqueles que haviam tocado, eles tendiam a olhar por mais tempo para os novos. Isso sugere que eles ficaram surpresos com as novas formas.
No entanto, quando diferentes equipas tentaram replicar os estudos, os resultados foram mistos. Também não é possível dizer com certeza quais experiências sensoriais anteriores os bebês tiveram, pois seria altamente antiético criá-los em privação sensorial antes do estudo.
Além disso, nos humanos, a visão se desenvolve com o tempo.
O que encontramos
Minha equipe optou por uma abordagem alternativa utilizando pintinhos domésticos. Essas aves possuem sistemas motores e sensoriais bem desenvolvidos após a eclosão. Em nosso experimento, chocamos pintinhos em completa escuridão e mantivemos esse ambiente durante sua exposição a estímulos táteis.
Cada pintinho foi alojado em compartimentos individuais contendo cubos irregulares ou lisos. Ao longo de 24 horas, os pintinhos se familiarizaram com seus ambientes acidentados e lisos, respectivamente. Essa configuração imita as condições naturais, já que os pintinhos normalmente passam os primeiros dias aninhados na escuridão, sob o calor de uma galinha.
Como os pintinhos tendem a desenvolver respostas de apego (impressão) nos primeiros estímulos que encontram, pensamos que eles poderiam desenvolver uma espécie de apego aos objetos táteis.
Após a exposição tátil, levamos os pintinhos à sua primeira experiência visual. Colocamos-os em uma área iluminada com dois objetos: um cubo liso e outro acidentado.
Os pintinhos expostos aos estímulos suaves aproximaram-se muito mais do cubo liso em comparação com os pintinhos expostos aos estímulos acidentados.
Este resultado surpreenderia Molyneux e Locke (e possivelmente os empiristas modernos) porque mostra que o cérebro está programado para dar sentido às complexidades do mundo antes de termos experiência direta com ele.
Também se alinha com pesquisas que mostram que as mentes dos animais recém-nascidos nascem com expectativas de estímulos. Por exemplo, o artigo da minha equipa de 2023 mostrou que os pintinhos têm expectativas de movimento para cima e para baixo, o que sugere uma compreensão da gravidade, na ausência de experiência visual.
Também estamos interessados em pesquisar os mecanismos neurais por trás das associações entre os sentidos durante o desenvolvimento inicial e outras predisposições que nos ajudam a lidar com o nosso ambiente na infância.
Isso poderia nos ajudar a compreender a conexão entre as representações sensoriais, a imaginação e a percepção da realidade.
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