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Pesquisadores do CEAB-CSIC publicaram um artigo científico que ajuda a entender a dispersão intercontinental de microrganismos nocivos pela atmosfera. Propõe um papel fundamental das correntes de ar na zona intertropical neste fenômeno e evidencia que ele está se tornando mais agudo devido aos efeitos das mudanças climáticas, desmatamento e outras consequências da atividade humana.
O estudo “Entendendo a dispersão intercontinental atmosférica de microorganismos nocivos” compila o escopo do problema da dispersão global de microorganismos nocivos pelas camadas superiores da atmosfera.
Confirma que a atmosfera -especificamente a troposfera livre- atua como uma estrada para muitos micróbios e destaca os mecanismos que a facilitam.
O trabalho combina microbiologia e dinâmica do sistema terrestre e enfatiza a importância da zona de convergência intertropical no fenômeno. Nesta área, acima e abaixo do equador, ocorrem fortes correntes ascendentes de ar quente e os ventos dos hemisférios norte e sul se encontram. É a área chave para esta dispersão massiva de microorganismos pela atmosfera.
O processo acontece da seguinte forma: o forte vento ascendente que ocorre nessa faixa da Terra suga grandes massas de partículas aerossolizadas – principalmente marinha, fogo e poeira do deserto. Muitos microorganismos aderem a eles e ascendem à troposfera livre (suas características e mecanismos de adaptação o permitem). Uma vez lá, eles podem viajar milhares de quilômetros e se dispersar pelo mundo. Eles podem fazer isso graças às correntes de ar constantes e de longo alcance que convergem nas camadas superiores do ar superior e à injeção maciça que ocorre na zona intertropical.
O artigo também destaca que esse fenômeno natural está sendo agravado pelas mudanças climáticas e por outras consequências da intervenção humana, como o desmatamento e o ressecamento de grandes áreas úmidas. O aumento de áreas áridas e desertos leva a uma maior inalação de poeira e, portanto, também de microorganismos, incluindo alguns patógenos. Da mesma forma, as mudanças climáticas estão alterando a dinâmica das correntes de ar globais (tão decisivas nesse processo); pode fazê-los ir aonde não foram, alterando a dinâmica dos ecossistemas em escala global.
Além de esclarecer os mecanismos de dispersão atmosférica, o estudo fornece informações sobre os tipos de microorganismos que conseguem se deslocar dessa maneira. Eles devem ser capazes de aderir e levantar, bem como resistir às condições extremas da atmosfera superior. E alguns desenvolveram estratégias adaptativas que permitem isso. A análise de DNA dessas formas de vida microscópicas concluiu que a maioria delas é inócua e algumas são até benéficas para a dinâmica natural dos ecossistemas. Outros, no entanto, são prejudiciais. Dentre os microrganismos potencialmente nocivos mais detectados estão aqueles que prejudicam as plantas. Em segundo lugar, aqueles que afetam peixes, anfíbios e outros animais. E, finalmente, aqueles que podem diretamente adoecer os humanos. Entre outros, foi detectada uma presença significativa de alérgenos, bem como micróbios resistentes a antibióticos que podem percorrer longas distâncias. Por todas estas razões, conclui-se que o fenómeno tem implicações importantes para a saúde global e urge abordá-lo numa perspetiva global e sistémica para minimizar a propagação de doenças e preservar a saúde dos ecossistemas.
O autor principal do artigo, o pesquisador do Centro de Estudos Avançados de Blanes (CEAB-CSIC) Emilio O. Casamayor, explica que a obra inclui argumentos científicos para que os gestores atuem a partir de uma visão global: “Situações que estão ocorrendo em lugares remotos têm efeitos em qualquer canto do planeta. estão longe.”
O especialista destaca que muitas vezes o que está sendo espalhado são elementos potencialmente nocivos “de países onde há menos restrições legais para o uso massivo de produtos nocivos ou onde eles despejam.
Essas áreas da zona de convergência intertropical que merecem atenção especial são o norte do Brasil, o Caribe e a Amazônia, a zona subsaariana, o norte de Madagascar, o deserto de Gobi (entre a China e a Mongólia) e o norte da Austrália, entre outros.
Um estudo transversal
Este estudo insere-se no projeto AEROSMIC, financiado pela Agência Estatal de Investigação (AEI) e pela rede de monitorização ecológica de longa duração (LTER) e tem uma forte componente transversal. Ele conecta o estudo de formas de vida microscópicas com o da dinâmica global do planeta Terra. Ele une disciplinas como microbiologia, física ou meteorologia para aprofundar o conhecimento dos mecanismos de dispersão de longo alcance de microorganismos.
Para realizá-lo, foram coletadas amostras de microorganismos presentes nas camadas superiores da atmosfera por sete anos, o DNA desses microorganismos foi analisado e os dados fornecidos pelos satélites da NASA sobre o movimento de grandes massas de ar e aerossóis. Todos os dados obtidos foram processados por biocomputação. Esta metodologia permitiu extrair padrões e chegar às conclusões apresentadas no trabalho.
O conhecimento obtido com esta pesquisa terá um papel de destaque no próximo Congresso da Sociedade Espanhola de Microbiologia, que será realizado em Burgos entre os dias 25 e 28 de junho.
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