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As grandes empresas dizem que estão ajudando a restaurar ecossistemas – mas as provas permanecem indefinidas

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Estamos a testemunhar em primeira mão um declínio alarmante dos ecossistemas mundiais, que está a ter um impacto devastador nas pessoas que deles dependem. Em muitos casos, já não basta proteger apenas o que resta – os ecossistemas degradados têm de ser restaurados.

A expansão dos esforços de restauração ao ritmo necessário só será possível com a adesão empenhada das comunidades locais, dos governos regionais e nacionais, da sociedade civil e – crucialmente – do sector empresarial.

Muitas empresas estão a começar a abraçar esta visão, lançando ambiciosos projectos de restauração para replantar árvores, zonas húmidas, recifes de coral e mangais que excedem em muito as suas responsabilidades legais.

Esses esforços são promissores. Em alguns casos, estes projetos proporcionam até benefícios significativos. Mas, de acordo com um estudo realizado por mim e por vários colegas, não podemos ter a certeza se as grandes empresas estão a cumprir estas promessas ambientais.



Leia mais: Quatro razões pelas quais restaurar a natureza é o empreendimento mais importante do nosso tempo


Desmatamento na Amazônia Brasileira.
Área desmatada na região de Santarém na Amazônia brasileira.
Adam Ronan/ Rede Amazônia SustentávelCC BY-NC-SA

A realidade oculta

Investigamos os relatórios de sustentabilidade disponíveis publicamente de 100 das maiores empresas do mundo. Nosso objetivo foi resumir a extensão do trabalho de restauração e seus impactos.

O que descobrimos foi revelador e desconcertante. Dois terços dessas empresas afirmaram realizar atividades de restauração. Mas o diabo estava nos detalhes – ou, neste caso, na falta deles.

Muitos dos relatórios de sustentabilidade corporativa forneceram muito poucas evidências para apoiar as suas afirmações sobre a restauração dos ecossistemas. Faltava-lhes rigor na definição da restauração, na definição de metodologias e na quantificação dos resultados.

Também não conseguiram distinguir claramente entre projectos concebidos meramente para se alinharem com responsabilidades legais e aqueles que contribuiriam genuinamente para os objectivos de restauração global.

A maioria (80%) dos relatórios não divulgou quanto dinheiro estava a gastar na restauração dos ecossistemas. E 90% não relataram nenhum dos impactos ecológicos que seu trabalho teve. Um terço dos relatórios nem sequer referiu a dimensão dos seus projectos.

Em essência, as evidências que apoiam muitos projetos de restauração de ecossistemas liderados por empresas são manifestamente inadequadas.

O poder potencial das ‘Grandes Empresas’

As maiores empresas do mundo são entidades poderosas. Possuem os recursos, a riqueza, a experiência logística e a influência para desempenhar um papel fundamental na missão de restaurar os ecossistemas mundiais.

Imagine um mundo onde as empresas utilizam as suas vastas finanças, forças de trabalho, capacidades de produção e influência social para ajudar a reconstruir florestas, zonas húmidas, savanas e recifes de coral em todo o mundo. É uma visão de responsabilidade corporativa que vai além do mero cumprimento das regulamentações ambientais.

Mas a restauração de ecossistemas é notoriamente difícil de ser bem executada. Requer uma consideração cuidadosa e estratégica de uma série de fatores ambientais e sociais.

Tentativas genuínas de restaurar ecossistemas podem, por vezes, causar mais danos do que benefícios. Podem, por exemplo, causar acidentalmente danos ambientais, enfraquecer a população local e os proprietários de terras ou desestabilizar a governação local. Algumas empresas também exageram nos seus esforços para obter um impulso imerecido à sua reputação (uma prática conhecida como “greenwashing”).



Leia mais: Como as empresas usam o greenwashing para convencê-lo de que estão lutando contra as mudanças climáticas


Duas pessoas restaurando um recife de coral.
Restauração de corais na Indonésia.
Martin Colognoli/Ocean Image Bank, CC BY-NC-SA

Melhorar a transparência e a responsabilização

Melhores relatórios serão essenciais para que as grandes empresas se tornem líderes genuínos na restauração do ecossistema global. Permitir-nos-á acompanhar adequadamente o progresso das iniciativas lideradas pelas empresas, responsabilizar as empresas pelas reivindicações que fazem e aprender com as empresas que estão a liderar o caminho.

No nosso artigo, sugerimos que o rigor dos relatórios corporativos poderia ser melhorado através da implementação de vários princípios-chave retirados da ciência da restauração.

Por exemplo, os relatórios de sustentabilidade empresarial poderiam cumprir melhor o princípio da “proporcionalidade” (compreender quanta actividade de restauração foi realizada), fornecendo informações sobre a extensão espacial e o número de organismos plantados em cada projecto de restauração individual que uma empresa realiza. Seria então possível avaliar a escala provável do impacto do projecto.

O princípio da “permanência” (comprometimento com compromissos de restauração a longo prazo) poderia ser melhor evidenciado se as empresas reportassem o número de anos em que se comprometeram a manter, monitorizar e reportar projetos após terem sido iniciados.

Ao reportar de forma que aderem a princípios científicos como estes, as empresas serão capazes de demonstrar de forma muito mais convincente que os seus esforços na restauração dos ecossistemas estão a produzir os benefícios ambientais e sociais que afirmam.

Uma mulher segurando uma tigela de urucum em uma floresta.
Um pequeno agricultor mostra urucum produzido na região de Santarém, na Amazônia brasileira.
Marizilda Cruppe Rede/Amazônia Sustentável, CC BY-NC-SA

As grandes empresas estão demonstrando um interesse crescente em contribuir para a sustentabilidade global. Como parte deste movimento, a restauração dos ecossistemas liderada pelas empresas poderá tornar-se um trunfo valioso na batalha para proteger os ecossistemas vulneráveis ​​do nosso planeta. Mas só funcionará se pudermos garantir transparência, responsabilização e adesão às melhores práticas.

A ideia de que as grandes empresas ajudam a reconstruir o planeta é uma retórica atraente. Agora é hora de comprovar isso com evidências.


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