Estudos/Pesquisa

As bactérias codificam genes ocultos fora do seu genoma. E nós?

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Uma descoberta “maluca” em bactérias está levantando questões fundamentais sobre a composição do nosso próprio genoma — e revelando uma potencial fonte de material para novas terapias genéticas.

Desde que o código genético foi decifrado pela primeira vez na década de 1960, nossos genes pareciam um livro aberto. Ao ler e decodificar nossos cromossomos como sequências lineares de letras, como frases em um romance, podemos identificar os genes em nosso genoma e aprender por que as mudanças no código de um gene afetam a saúde.

Acreditava-se que essa regra linear da vida governava todas as formas de vida — desde humanos até bactérias.

Mas um novo estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Columbia mostra que as bactérias quebram essa regra e podem criar genes efêmeros e livres, levantando a possibilidade de que genes semelhantes existam fora do nosso próprio genoma.

“O que essa descoberta derruba é a noção de que o cromossomo tem o conjunto completo de instruções que as células usam para produzir proteínas”, diz Samuel Sternberg, professor associado de bioquímica e biologia molecular no Vagelos College of Physicians and Surgeons, que liderou a pesquisa com Stephen Tang, um estudante de MD/PhD na faculdade de medicina.

“Agora sabemos que, pelo menos em bactérias, pode haver outras instruções não preservadas no genoma que, no entanto, são essenciais para a sobrevivência celular.”

“Biologia surpreendente” e “alienígena”

A reação científica já tinha virado notícia há alguns meses, quando o artigo apareceu pela primeira vez como uma pré-impressão. Em um artigo da Nature News, cientistas chamaram a descoberta de “biologia alienígena”, “espantosa” e “chocante”.

“Isso nos deixou repetidamente incrédulos”, diz Tang, “e passamos da dúvida ao espanto à medida que o mecanismo gradualmente surgia”.

Bactérias e seus vírus estão travados em batalha há eras, enquanto vírus tentam injetar seu DNA no genoma bacteriano e bactérias criam métodos astutos (por exemplo, CRISPR) para se defender. Muitos mecanismos de defesa bacteriana permanecem inexplorados, mas podem levar a novas ferramentas de edição de genoma.

O sistema de defesa bacteriana que Sternberg e Tang escolheram para explorar é estranho: o sistema envolve um pedaço de RNA com função desconhecida e uma transcriptase reversa, uma enzima que sintetiza DNA a partir de um molde de RNA. Os sistemas de defesa mais comuns em bactérias cortam ou degradam o DNA viral de entrada, “então ficamos intrigados com a ideia de defender o genoma pela síntese de DNA”, diz Tang.

Genes de livre flutuação

Para aprender como a defesa ímpar funciona, Tang primeiro criou uma nova técnica para identificar o DNA produzido pela transcriptase reversa. O DNA que ele encontrou era longo, mas repetitivo, contendo múltiplas cópias de uma sequência curta dentro da molécula de RNA do sistema de defesa.

Ele então percebeu que essa porção da molécula de RNA se dobra em um loop, e a transcriptase reversa viaja inúmeras vezes ao redor do loop para criar o DNA repetitivo. “É como se você estivesse pretendendo fotocopiar um livro, mas a copiadora simplesmente começou a produzir a mesma página repetidamente”, diz Sternberg.

Os pesquisadores inicialmente pensaram que algo poderia estar errado com seus experimentos, ou que a enzima estava cometendo um erro e o DNA que ela criou não tinha sentido.

“Foi então que Stephen fez uma pesquisa engenhosa e descobriu que a molécula de DNA é um gene transitório, livre e totalmente funcional”, diz Sternberg.

A proteína codificada por esse gene, descobriram os pesquisadores, é uma parte crítica do sistema de defesa antiviral da bactéria. A infecção viral desencadeia a produção da proteína (apelidada de Neo pelos pesquisadores), que impede o vírus de se replicar e infectar células vizinhas.

Genes extracromossômicos em humanos?

Se genes semelhantes forem encontrados flutuando livremente em células de organismos superiores, “isso realmente seria uma descoberta revolucionária”, diz Sternberg. “Pode haver genes, ou sequências de DNA, que não residem em nenhum dos 23 cromossomos humanos. Talvez eles sejam feitos apenas em certos ambientes, em certos contextos de desenvolvimento ou genéticos, e ainda assim forneçam informações críticas de codificação nas quais confiamos para nossa fisiologia normal.”

O laboratório agora está usando os métodos de Tang para procurar genes extracromossômicos humanos produzidos por transcriptases reversas.

Milhares de genes de transcriptase reversa existem no genoma humano e muitos têm funções ainda não descobertas. “Há uma lacuna significativa a ser preenchida que pode revelar alguma biologia mais interessante”, diz Sternberg.

Fonte de edição genética

Embora as terapias genéticas que aproveitam a edição CRISPR estejam em ensaios clínicos (e uma foi aprovada no ano passado para anemia falciforme), a CRISPR não é a tecnologia perfeita.

Novas técnicas que combinam CRISPR com uma transcriptase reversa estão dando mais poder aos engenheiros de genoma. “A transcriptase reversa dá a você a habilidade de escrever novas informações em locais que CRISPR corta, o que CRISPR sozinho não consegue fazer”, diz Tang, “mas todos usam a mesma transcriptase reversa que foi descoberta décadas atrás.”

A transcriptase reversa que cria o Neo tem certas propriedades que podem torná-la uma opção melhor para edição de genoma em laboratório e para criar novas terapias genéticas. E transcriptases reversas mais misteriosas existem em bactérias que estão esperando para serem exploradas.

“Acreditamos que as bactérias podem ter um tesouro de transcriptases reversas que podem ser pontos de partida oportunos para novas tecnologias quando entendermos como elas funcionam”, diz Sternberg.

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