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Os seres humanos começaram a cultivar cerca de 12.000 anos atrás. Nas margens do Eufrates e do Tigre, onde hoje são o Iraque e a Síria, pequenos grupos de pessoas começaram a cultivar ervilhas, lentilhas e cevada independentemente uns dos outros. Eles derrubaram árvores para dar espaço a campos e animais e, ao fazê-lo, começaram a moldar a natureza de acordo com as necessidades dos humanos.
Naquela época, nossos ancestrais já sabiam que, depois que a floresta fosse derrubada e as roças estabelecidas, alguns dos animais e plantas que antes prosperavam desapareceriam. Hoje, sabemos que a agricultura moderna e intensiva é uma das maiores ameaças à biodiversidade do planeta.
No entanto, sabemos muito pouco sobre o que acontece especificamente com plantas, insetos e animais no ecossistema quando uma floresta é derrubada e o solo é arado e plantado.
Portanto, Gabor Lovei, do Departamento de Agroecologia da Universidade de Aarhus, e vários colegas portugueses decidiram investigar. Na ilha Terceira, nos Açores, ainda existe uma parte da floresta original. Por esta razão, a ilha tornou-se um bom lugar para estudar como a agricultura afeta a natureza original.
No entanto, quando Gabor Lovei viu seus resultados, ficou um pouco surpreso.
“As mudanças no ecossistema foram menos extensas do que eu imaginava. É verdade que havia menos animais grandes e pequenos nos campos, mas em vários outros parâmetros, a atividade no ecossistema realmente aumentou”, diz ele.
A natureza única dos Açores
Até 1427, muito poucos tinham pisado nos Açores. Descobertas arqueológicas recentes sugerem que os vikings talvez tenham visitado as ilhas muitas centenas de anos antes dos portugueses, mas foi somente no século XV que os humanos se estabeleceram lá permanentemente.
Durante milhares de anos, os Açores permaneceram intocados e exuberantes no meio do Atlântico. Árvores e plantas verde-escuras prosperaram por causa da combinação de calor intenso, precipitação frequente e solo vulcânico das ilhas.
Depois que marinheiros portugueses descobriram acidentalmente as montanhas arborizadas no meio do Atlântico em 1427, tudo mudou.
Os pequenos proprietários, cansados das mercês régias derramadas sobre os solares de Portugal, fizeram as malas com as suas picaretas, pás e enxadas e partiram para os Açores. Eles derrubaram a floresta e plantaram trigo e outras culturas.
Ao contrário de casa, no continente, os agricultores colheram grandes colheitas. Os rumores se espalharam e os fazendeiros invadiram as ilhas. Grandes partes da floresta desapareceram rapidamente e foram substituídas por terras agrícolas. Apenas as partes da floresta nas áreas mais montanhosas e inacessíveis, onde o solo era muito difícil de cultivar, foram poupadas.
E foi justamente essa floresta original que Gabor Lovei pôde utilizar em suas pesquisas.
“Na Dinamarca – e na maioria dos outros lugares da Europa – a floresta não é original. Ela foi derrubada, replantada e alterada por humanos por milhares de anos. Nos Açores, por outro lado, há floresta completamente original – e vale ouro para esse tipo de pesquisa”, afirma.
O truque inteligente de Gabor
Normalmente, quando entomologistas ou ornitólogos estudam como a agricultura afeta diferentes espécies, eles colocam suas botas de caminhada e saem para os campos, prados e orlas da floresta para registrar tudo o que encontram. Eles fazem isso sistematicamente, em diferentes momentos do dia e repetidamente.
No entanto, o método não nos diz muito sobre como todo o ecossistema reage às mudanças. Apenas sobre as populações de animais.
Então, quando Gabor Lovei começou a investigar como todo o ecossistema reagia à derrubada da floresta e ao estabelecimento do campo, ele teve que usar outros métodos.
Primeiro, ele plantou várias alfaces adultas em uma floresta original, em campos cultivados e em campos de pastagem para vacas. As plantas foram deixadas por duas semanas. Após as duas semanas, ele registrou a área coberta pela alface e quanto havia comido. Dessa forma, ele poderia medir a extensão da atividade herbívora no ecossistema.
Ele repetiu o mesmo processo com as larvas para determinar o alcance da caça aos insetos. Quanto mais larvas comiam, mais animais – por exemplo, pássaros, roedores e sapos – viviam na área. Ele também colocou pequenas caixas de sementes para ver quantas desapareciam. Ele cavou saquinhos de chá dez centímetros no solo para examinar a atividade dos microorganismos no solo que decompõem a matéria orgânica.
E, finalmente, plantou morangos para aprender mais sobre a polinização nas diferentes áreas.
Juntos, todos esses pequenos experimentos formaram uma imagem de como o ecossistema como um todo muda quando a floresta é derrubada e os campos são plantados.
Menos animais nos campos
De todos os parâmetros estudados por Gabor Lovei, a maior diferença foi o número de insetos comidos. Na floresta, desapareceram significativamente mais larvas do que no campo cultivado e nas áreas de pastagem.
Isso sugere que há mais vida selvagem na floresta, explica ele.
“As larvas são normalmente comidas por roedores, pássaros e lagartos. Nossas descobertas sugerem que havia significativamente mais delas na floresta, porque mais larvas desapareciam entre as árvores”, diz ele.
As sementes também desapareceram mais rapidamente na floresta.
“Nas florestas a umidade é maior, o que significa que vários invertebrados diferentes podem viver ali. Animais como caracóis e besouros, que comem sementes.”
Com relação à polinização e ao número de microrganismos no solo, ele não encontrou diferença. De fato, a polinização das plantas foi ligeiramente maior nos campos de milho do que na floresta. No entanto, isso não significa necessariamente que existam muitas espécies diferentes de abelhas. Geralmente, existem apenas alguns tipos de plantas em campos cultivados. Por esta razão, as mesmas poucas espécies de abelhas são responsáveis pela polinização.
O que os agricultores podem fazer?
Quando os agricultores locais derrubam a floresta, a biodiversidade é perdida. Gabor Lovei demonstrou isso claramente em seus experimentos. Mas seus resultados também podem dizer algo sobre o que os agricultores podem fazer para obter parte da biodiversidade de volta em seus campos?
Sim, ele explica. Eles podem. Os resultados fornecem uma compreensão completamente nova de quais partes do ecossistema serão afetadas.
“Vemos claramente que os caracóis e besouros têm dificuldade nos campos. Para recuperá-los, os agricultores podem deixar pequenos bolsões de vegetação natural nos campos. Por exemplo, eles podem deixar raízes de árvores mortas para apodrecer. Isso atrairá muitos tipos de besouros”, diz.
Outro problema com os campos é que nós, humanos, trazemos conosco animais, plantas e micróbios que não pertencem lá naturalmente quando cultivamos nossas plantações. Por exemplo, os ratos invadiram e deslocaram grande parte da fauna indígena dos Açores.
“Ao abrir espaço para pequenos bolsões de natureza não cultivada dentro e ao redor dos campos, sabemos que as espécies nativas sobreviverão com mais facilidade. Elas simplesmente são mais resistentes às espécies invasoras”, explica.
Os resultados podem ser transferidos para a Dinamarca?
A natureza nos Açores é muito diferente da Dinamarca. A Dinamarca é mais fria, o solo é diferente e praticamente não temos mais natureza original.
Ainda assim, os resultados dos Açores podem ser transferidos para as condições dinamarquesas, segundo Gabor Lovei.
“Esses experimentos abrangentes nunca foram conduzidos no continente europeu, mas alguns dos parâmetros foram estudados em outros países europeus. O padrão era praticamente o mesmo. Portanto, podemos supor que a natureza dinamarquesa reage mais ou menos da mesma maneira a desmatamento e cultivo”, afirma.
“Mas não é só a agricultura que ameaça a biodiversidade. Cidades e jardins também restringem onde os animais podem viver. Por isso é importante fazer algo em nosso próprio quintal”, conclui.
Semear flores e árvores que pertencem naturalmente à Dinamarca – e não plantas exóticas – pode fazer uma grande diferença. Plante árvores dinamarquesas e flores dinamarquesas e pare de cortar a grama. Isso fará uma enorme diferença para muitas espécies.
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