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Uma equipe de pesquisa liderada pelo Instituto de Biologia Evolutiva (IBE) e pela Universidade Pompeu Fabra (UPF) identificou a contribuição genética mais difundida dos denisovanos até o momento. O estudo revela que a variante genética observada, que afeta a regulação do zinco, pode ter significado uma vantagem evolutiva na adaptação dos nossos antepassados ao frio. O estudo, publicado pela PLoS Genetics, revela também que esta adaptação genética pode ter predisposto os humanos modernos a distúrbios neuropsiquiátricos.
Os humanos modernos deixaram a África há cerca de 60 mil anos, no evento conhecido como “Fora de África”. Na Ásia, eles coincidiram com os denisovanos, e esse encontro pode ter levado a confrontos e colaborações, mas também a vários cruzamentos. Na verdade, ainda hoje os humanos modernos retêm variantes genéticas de origem denisovana no nosso genoma, que são testemunho dessas interações iniciais.
Agora, uma equipe liderada pelo Instituto de Biologia Evolutiva (IBE), um centro conjunto do Conselho Nacional de Pesquisa Espanhol (CSIC) e da Universidade Pompeu Fabra (UPF), e pelo Departamento de Medicina e Ciências da Vida (MELIS) da UPF, desenvolveu identificou um dos vestígios mais difundidos da herança genética dos extintos denisovanos em humanos modernos. As equipes de Elena Bosch, pesquisadora principal do IBE, e de Rubén Vicente, pesquisador principal do MELIS-UPF, descobriram que esta adaptação genética ajudou populações ancestrais de sapiens para se adaptar ao frio.
A variante observada, envolvida na regulação do zinco e com papel no metabolismo celular, também poderia ter predisposto os humanos modernos a distúrbios psiquiátricos como depressão ou esquizofrenia.
A variação genética na regulação do zinco pode ter significado uma vantagem evolutiva
A forma como a adaptação moldou a diversidade genética atual nas populações humanas é uma questão de grande interesse na genética evolutiva.
Decorrente desta questão, a equipa de Elena Bosch identificou uma variante adaptativa entre as populações humanas atuais numa região do nosso genoma que apresenta grande semelhança com o genoma de uma população ancestral extinta: os denisovanos.
“Através da análise genómica, notámos que a variante genética observada veio do nosso cruzamento com humanos arcaicos no passado, possivelmente os denisovanos”, diz Ana Roca-Umbert, co-autora do estudo. A equipe descartou a herança neandertal, uma vez que essas populações não apresentam essa mutação.
“Aparentemente, a mudança foi benéfica e revelou-se uma vantagem seletiva para os humanos. Como consequência, esta variação no SLC30A9 foi selecionado e atingiu as populações atuais”, acrescenta Jorge Garcia-Calleja, coautor do estudo.
O Laboratório de Genética Evolutiva de Populações, dirigido por Bosch, pretendia descobrir que alterações provoca esta variação genética de origem denisovana a nível celular. “Descobrimos que esta mutação tinha certamente implicações no transporte do zinco dentro da célula e por isso contactámos a equipa do Vicente”, recorda Elena Bosch, investigadora principal do IBE e colíder do estudo.
Regulação do zinco: chave para a adaptação ao frio
“Elena me contatou porque sua equipe havia observado uma alteração em um aminoácido de um transportador de zinco, que era muito diferente entre as populações atuais da África e da Ásia. A partir daí, começamos a nos fazer perguntas e a buscar respostas”, comenta Rubén Vicente. . Sua equipe, do grupo de Biofísica do Sistema Imunológico do Laboratório de Fisiologia Molecular, assumiu o desafio técnico de estudar a movimentação do zinco intracelular.
O zinco, oligoelemento essencial para a saúde humana, é um importante mensageiro que transfere informações de fora para dentro das células e entre os diferentes compartimentos celulares. A falta de zinco causa distúrbios de crescimento, neurológicos e imunológicos, embora “sua regulação ainda seja pouco estudada devido à falta de ferramentas moleculares para acompanhar o fluxo de zinco”.
O laboratório de Vicente identificou que a variante observada provoca um novo equilíbrio de zinco dentro da célula, promovendo uma alteração no metabolismo. Ao alterar o retículo endoplasmático e as mitocôndrias das células, esta variação provoca uma possível vantagem metabólica para lidar com um clima hostil. “O fenótipo observado nos leva a pensar numa possível adaptação ao frio”, afirma Vicente.
A herança genética denisovana pode afetar a saúde mental das populações europeias e asiáticas
O transporte de zinco também está envolvido na excitabilidade do sistema nervoso e desempenha um papel no equilíbrio mental e na saúde das pessoas.
A equipe destaca que a variante encontrada nesse transportador de zinco, que se expressa em todos os tecidos do corpo, está associada a uma maior predisposição ao sofrimento de algumas doenças psiquiátricas. Estes incluem anorexia nervosa, transtorno de hiperatividade, transtorno do espectro do autismo, transtorno bipolar, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia.
“No futuro, expandir este estudo para modelos animais poderá esclarecer esta predisposição para sofrer de doenças mentais”, observa Vicente.
A variante genética deixou uma marca global, exceto na África
Embora a variante tenha sido estabelecida na Ásia como resultado do cruzamento entre denisovanos e sapiens, também se espalhou para as populações europeias e nativas americanas. Na verdade, encontra-se em populações de todo o planeta, embora, no caso das populações africanas, seja muito menos frequente.
A equipe ressalta que é provavelmente a adaptação genética denisovana que tem a maior abrangência geográfica descoberta até o momento. “Por exemplo, uma variante no EPAS1 gene herdado dos denisovanos permite a adaptação à vida em altitude, mas é encontrado apenas em tibetanos. No entanto, no nosso caso, o impacto estende-se a todas as populações fora de África”, conclui Bosch.
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