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Como você se sentiria se o telefone que você tem no bolso ou o chocolate que você acabou de saborear fosse feito com trabalho infantil? A ideia pode chocá-lo, mas a verdade é que o trabalho infantil está à espreita por detrás do fabrico de produtos familiares de uso diário, incluindo dispositivos eletrónicos e alimentos.
É particularmente prevalente em indústrias como a mineração de cobalto e a produção de cacau. E, como revelou uma investigação recente da BBC, também pode ser encontrado nas cadeias de abastecimento de marcas de cosméticos bem conhecidas.
Apesar das grandes empresas tentarem implementar políticas de tolerância zero, podem não ter consciência de que o trabalho infantil é uma característica dos seus complexos processos de fabrico. Mas a investigação sugere que está generalizada nas cadeias de abastecimento internacionais. Os números da ONU de 2021 sugerem que o número de crianças trabalhadoras no mundo ronda os 160 milhões.
Então, o que pode ser feito? Várias tentativas foram feitas para resolver o problema, incluindo auditorias, políticas de devida diligência e esforços para garantir o fornecimento responsável, embora com graus variados de sucesso.
Uma solução potencial poderia ser encontrada na tecnologia blockchain.
Blockchains são um tipo de banco de dados digital usado com mais frequência em transações de criptomoedas. A tecnologia é essencialmente uma forma de armazenar e partilhar informações ao longo de cadeias de abastecimento globais – como um livro-razão virtual que garante que os dados são seguros e transparentes.
Mas também poderia ser utilizado para garantir que os produtos são fabricados de forma ética e sem trabalho infantil, através do acompanhamento das transações.
É assim que poderia funcionar: sempre que um produto é colhido ou extraído, é-lhe imediatamente atribuída uma identificação digital e os seus dados são registados, como uma certidão de nascimento digital. Esta é a primeira parte da cadeia.
Então, cada vez que o produto é transportado ou processado, um novo “bloco” de informações é adicionado ao seu ID. Cada bloco adicional forma gradualmente o blockchain – uma trilha clara de onde o produto esteve e o que foi feito com ele.
Se as grandes empresas tivessem acesso a todas estas informações, a transparência da cadeia de abastecimento melhoraria enormemente. E como a tecnologia regista o percurso de um produto do início ao fim, seria difícil esconder quaisquer práticas antiéticas – como o trabalho infantil.
Incluiria também contratos escritos em códigos de programação (conhecidos como “contratos inteligentes”) que ajudam a verificar se as normas laborais foram ou não cumpridas – desencadeando auditorias ou registando práticas éticas.

Narong Khueankaew/Shutterstock
Se houver uma disputa ao longo da cadeia de abastecimento entre compradores e vendedores, o blockchain fornece um diário de bordo digital que resolve as discussões. Os trabalhadores também podem utilizar identificações digitais seguras para garantir que apenas pessoas legalmente autorizadas a trabalhar sejam empregadas, evitando o trabalho infantil.
Outra vantagem seria o registo seguro de todos os pagamentos, o que significa que os trabalhadores recebem o pagamento prometido e as empresas que não pagam de forma justa podem ser responsabilizadas.
Suporte técnico
Mas a minha pesquisa sugere que a implementação da tecnologia blockchain não seria uma solução fácil. Embora possa ajudar a melhorar o acompanhamento e a responsabilização, as grandes empresas poderão adotá-lo de formas que beneficiem as suas operações e reputação. Eles podem definir as regras e padrões e decidir quem terá acesso aos dados gerados.
Os sistemas fechados de blockchain dificultariam que os pequenos fornecedores beneficiassem da tecnologia, resultando potencialmente na concessão de mais poder às grandes empresas, em vez de melhorar as condições de trabalho.
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Além disso, nas economias em desenvolvimento, muitos pequenos agricultores e fornecedores não possuem a infraestrutura tecnológica – como smartphones ou ligações à Internet fiáveis – necessária para a implementação da tecnologia blockchain. Pesquisas recentes sugerem que uma solução possível para isso permitiria que as transações fossem registradas por mensagens de texto.
Desta forma, as transacções entre agricultores e compradores poderiam ser documentadas através de telemóveis básicos. As informações sobre a identificação do agricultor e a quantidade de cacau vendida, por exemplo, seriam então registadas de forma segura numa blockchain (talvez através de uma aplicação ou página web), garantindo transparência.
Um tal sistema permitiria aos agricultores com acesso limitado à tecnologia participar em transacções seguras e fiáveis – e envolver-se em cadeias de abastecimento mais justas e responsáveis que reduzissem a quantidade de trabalho infantil em todo o mundo.
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