Ciência e Tecnologia

Os humanos têm alterado a natureza há milhares de anos – para moldar um futuro sustentável, é importante compreender que a história profunda

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Em julho de 2024, todos os olhares se voltarão para Paris para os Jogos Olímpicos de Verão. Espectadores de todo o mundo irão convergir para a Cidade Luz para assistir às competições dos atletas e mergulhar na cultura, romance e história de uma das cidades mais reconhecidas do mundo.

Mas um marco icônico de Paris, a catedral de Notre Dame, ainda estará em reforma após um incêndio devastador que acendeu na catedral e queimou por 12 horas em 14 de abril de 2019. Quando as últimas brasas foram apagadas, a maior parte da madeira e metal de Notre Dame o telhado foi destruído e sua majestosa torre desapareceu, consumida pelas chamas.

Notre Dame tem quase 1.000 anos e foi danificada e reparada muitas vezes. Sua última grande reforma foi em meados do século XIX. As enormes vigas que emolduram a estrutura foram feitas de carvalhos europeus colhidos há 300 a 400 anos.

Hoje, estas árvores são comuns em todo o centro-norte da Europa, mas poucas são suficientemente altas para substituir a treliça e o pináculo do telhado de Notre Dame, graças a séculos de desflorestação. Os planejadores tiveram que procurar em todo o país por carvalhos grandes e suficientes para a restauração.

Os silvicultores franceses colhem carvalhos centenários para a reconstrução da estrutura do telhado e da torre de Notre Dame.

Como arqueólogo, estudo as interações humanas de longo prazo com a natureza. No meu novo livro, “Compreendendo a Terra em perigo: como a arqueologia e a história humana informam um futuro sustentável”, descrevo como lidar com as crises ambientais modernas requer uma compreensão da história profunda – não apenas de registros humanos escritos, mas também de conexões antigas entre os humanos e o ambiente natural. mundo.

Muitas pessoas presumem que os impactos devastadores que os humanos causaram no nosso planeta surgiram com a era industrial, que começou em meados do século XVIII. Mas as pessoas têm transformado as condições na Terra há milénios. Olhar para trás pode informar nossa jornada adiante.

Do desmatamento ao reflorestamento

Para ver como isso funciona, vamos considerar a escassez de árvores altas em Notre Dame de uma perspectiva mais ampla. A desflorestação na Europa remonta há pelo menos 10.000 anos, numa altura em que os primeiros agricultores varreram o continente, derrubando florestas e criando terras agrícolas e pastoris para formar as paisagens de hoje.

Com base em provas arqueológicas, modelos baseados em pólen e registos escritos, os cientistas determinaram que a cobertura florestal no norte, centro e oeste da Europa atingiu a sua densidade mais elevada há cerca de 10.000 a 12.000 anos, seguida de um declínio gradual ao longo dos milénios intervenientes. Por volta de 1700 d.C., as pessoas cultivavam 250 milhões de acres (100 milhões de hectares) de campos agrícolas, a maioria dos quais criados pelo desmatamento de florestas nativas europeias.

Voluntários plantam árvores nativas em projeto de reflorestamento na Escócia.

Milhões de hectares de madeira tornaram-se combustível para lareiras domésticas e depois para fornos e caldeiras durante a Revolução Industrial. Este processo foi tão transformador que o renomado geógrafo britânico HC Darby, escrevendo em 1954, chamou-o de “provavelmente o factor mais importante que mudou a paisagem europeia”.

A maioria dessas florestas foi perdida muito antes que os cientistas pudessem estudá-las, mas o trabalho de detetive histórico pode preencher as informações que faltam. Ao identificar restos de plantas carbonizadas em antigas fogueiras e analisar o pólen de lagos e núcleos de solo, os arqueólogos podem mapear onde as florestas antigas floresceram, determinar quais espécies estavam representadas e reconstruir como eram as florestas.

Hoje, as nações europeias estão a trabalhar para restaurar florestas em todo o continente, a fim de retardar as alterações climáticas e a perda de espécies. Com informações históricas sobre as florestas passadas, os cientistas modernos podem fazer melhores escolhas sobre quais espécies de árvores plantar, selecionar os melhores locais e projetar como as árvores poderão responder às futuras alterações climáticas.

Entendendo o que é possível

Nos últimos 50 anos, a taxa e a escala dos impactos humanos na Terra intensificaram-se. Naquilo que os estudiosos apelidaram de “a Grande Aceleração”, as actividades humanas, como o desmatamento de florestas, a conversão de terras para agricultura e desenvolvimento, a exploração excessiva da vida selvagem e da pesca, e o aquecimento da atmosfera através da utilização generalizada de combustíveis fósseis alteraram as condições de vida.

Para as pessoas nascidas durante esta era de mudanças vertiginosas, pode ser difícil imaginar a vida na Terra antes de os humanos a refazerem. Os cientistas apontaram o perigo das chamadas “mudanças de linha de base” – a tendência generalizada de assumir que o actual estado de esgotamento da natureza é como as coisas sempre foram. Saber como os ecossistemas costumavam ser e funcionar, e como as ações humanas os alteraram, torna mais clara a escala das tarefas de conservação.

A história oferece insights sobre como era o mundo, muito antes da globalização e das atividades industriais remodelarem o planeta. Ossos de animais descartados, fragmentos de carvão, ferramentas de pedra quebradas e outros destroços do passado antigo fornecem pistas sobre o tamanho e a abundância das espécies animais, a localização e composição das florestas e paisagens nativas e as condições atmosféricas flutuantes. Indicam também como os humanos, as plantas e os animais responderam a estas mudanças.

Informando um futuro resiliente

O passado pode ajudar as sociedades modernas a enfrentar os desafios ambientais de hoje de inúmeras maneiras. Compreender como é necessário um cuidadoso trabalho de detetive histórico e criatividade científica. Aqui estão alguns exemplos:

  • Rastrear onde os pescadores indígenas coletaram abalone preto por mais de 10.000 anos pode orientar os esforços de restauração desta espécie ameaçada. Numerosos exemplos de estratégias indígenas eficazes estão a emergir de pesquisas arqueológicas e antropológicas recentes, apresentando uma gestão inovadora da terra, uma agricultura sustentável e práticas de resiliência comunitária que foram aperfeiçoadas ao longo dos séculos.

  • Compreender a história da desflorestação e dos padrões de conversão de terras pode ajudar os especialistas em saúde a antecipar futuras pandemias. Muitas doenças infecciosas passam da vida selvagem para os seres humanos, e as atividades humanas, como a desflorestação e a urbanização, estão cada vez mais a aproximar os seres humanos e a vida selvagem. Isto aumenta o risco de transmissão de doenças zoonóticas.

  • As coleções dos museus podem ajudar os cientistas a documentar e compreender o declínio das espécies e a construir estratégias eficazes para combater a perda da biodiversidade global. Por exemplo, coleções de museus de anfíbios preservados permitiram aos cientistas rastrear a propagação do mortal fungo quitrídeo, auxiliando no desenvolvimento de estratégias de conservação direcionadas para proteger espécies vulneráveis ​​de rãs.

Pombo-passageiro taxidermizado em exposição de museu
A análise de DNA de pombos-passageiros em coleções de museus indica que fatores genéticos podem ter contribuído para a extinção da ave, juntamente com a caça excessiva por humanos.
Tim Evanson/Flickr

Os humanos podem abrandar e, talvez, reverter os danos ecológicos que causaram, mas a Terra nunca regressará a algum estado primitivo do passado.

No entanto, acredito que a história pode ajudar os humanos a salvar os locais selvagens e naturais que ainda restam na Terra que, juntamente com ícones culturais como Notre Dame, contam as histórias de quem somos. O objetivo não é retroceder, mas sim criar um planeta mais resiliente, sustentável e biodiverso.

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