Física

Ecos sísmicos revelam um misterioso ‘donut’ dentro do núcleo da Terra

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Cerca de 2.890 quilômetros abaixo de nossos pés, há uma bola gigantesca de metal líquido: o núcleo do nosso planeta. Cientistas como eu usam as ondas sísmicas criadas por terremotos como uma espécie de ultrassom para “ver” a forma e a estrutura do núcleo.

Usando uma nova maneira de estudar essas ondas, meu colega Xiaolong Ma e eu fizemos uma descoberta surpreendente: há uma grande região em formato de donut no núcleo ao redor do Equador, com algumas centenas de quilômetros de espessura, onde as ondas sísmicas viajam cerca de 2% mais devagar do que no resto do núcleo.

Acreditamos que esta região contém mais elementos leves, como silício e oxigênio, e pode desempenhar um papel crucial nas vastas correntes de metal líquido que atravessam o núcleo e geram o campo magnético da Terra. Nossos resultados são publicados hoje em Avanços da Ciência.

O ‘campo de onda de coda-correlação’

A maioria dos estudos sobre ondas sísmicas criadas por terremotos analisa as grandes frentes de onda iniciais que viajam ao redor do mundo aproximadamente uma hora após o terremoto.

Percebemos que poderíamos aprender algo novo observando a parte posterior e mais fraca dessas ondas, conhecida como coda — a seção que leva uma peça musical ao seu fim. Em particular, observamos o quão semelhantes eram as codas registradas em diferentes detectores sísmicos, várias horas após terem começado.

Em termos matemáticos, essa similaridade é medida por algo chamado correlação. Juntos, chamamos essas similaridades nas últimas partes das ondas de terremoto de “campo de onda de correlação de coda”.

Ao observar o campo de ondas de coda-correlação, detectamos pequenos sinais originários de múltiplas ondas reverberantes que não veríamos de outra forma. Ao entender os caminhos que essas ondas reverberantes tomaram e compará-los com sinais no campo de ondas de coda-correlação, descobrimos quanto tempo elas levaram para viajar pelo planeta.

Nós então comparamos o que vimos em detectores sísmicos mais próximos dos polos com resultados mais próximos do Equador. No geral, as ondas detectadas mais próximas dos polos estavam viajando mais rápido do que aquelas perto do Equador.

Testamos muitos modelos de computador e simulações de quais condições no núcleo poderiam criar esses resultados. No final, descobrimos que deve haver um toro — uma região em forma de donut — no núcleo externo ao redor do Equador, onde as ondas viajam mais lentamente.

Os sismólogos não detectaram essa região antes. No entanto, usar o campo de onda de coda-correlação nos permite “ver” o núcleo externo com mais detalhes e de forma mais uniforme.

Estudos anteriores concluíram que as ondas se moviam mais lentamente em todos os lugares ao redor do “teto” do núcleo externo. No entanto, mostramos neste estudo que a região de baixa velocidade está apenas perto do Equador.

O núcleo externo e o geodínamo

O núcleo externo da Terra tem um raio de cerca de 3.480 km, o que o torna um pouco maior que o planeta Marte. Ele consiste principalmente de ferro e níquel, com alguns traços de elementos mais leves, como silício, oxigênio, enxofre, hidrogênio e carbono.

A parte inferior do núcleo externo é mais quente que a parte superior, e a diferença de temperatura faz o metal líquido se mover como água em uma panela fervendo no fogão. Esse processo é chamado de convecção térmica, e achamos que o movimento constante deve significar que todo o material no núcleo externo está bem misturado e uniforme.

Mas se todo lugar no núcleo externo está cheio do mesmo material, as ondas sísmicas deveriam viajar mais ou menos na mesma velocidade em todos os lugares também. Então por que essas ondas desaceleram na região em formato de donut que encontramos?

Acreditamos que deve haver uma concentração maior de elementos leves nessa região. Eles podem ser liberados do núcleo interno sólido da Terra para o núcleo externo, onde sua flutuabilidade cria mais convecção.

Por que os elementos mais leves se acumulam mais na região do donut equatorial? Cientistas acham que isso pode ser explicado se mais calor for transferido do núcleo externo para o manto rochoso acima dele nessa região.

Há também outro processo em escala planetária em ação no núcleo externo. A rotação da Terra e o pequeno núcleo interno sólido fazem com que o líquido do núcleo externo se organize em longos vórtices verticais correndo na direção norte-sul, como trombas d’água gigantes.

O movimento turbulento do metal líquido nesses vórtices cria o “geodínamo” responsável por criar e manter o campo magnético da Terra. Esse campo magnético protege o planeta do vento solar e da radiação nocivos, tornando a vida possível na superfície.

Uma visão mais detalhada da composição do núcleo externo — incluindo o donut recém-descoberto de elementos mais leves — nos ajudará a entender melhor o campo magnético da Terra. Em particular, como o campo muda sua intensidade e direção no tempo é crucial para a vida na Terra e a potencial habitabilidade de planetas e exoplanetas.

Fornecido por The Conversation

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.A Conversa

Citação: Ecos sísmicos revelam um misterioso ‘donut’ dentro do núcleo da Terra (2024, 2 de setembro) recuperado em 3 de setembro de 2024 de https://phys.org/news/2024-09-seismic-echoes-reveal-mysterious-donut.html

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